APEOESP - Logotipo
Sindicato dos Professores

FILIADO À CNTE E CUT

Banner de acesso ao Diário Oficial

ACONTECE NA SUBSEDE

Voltar

Sex, 13 de Abril 2018 - 16:10

Inspirado em filme, projeto em escola pública de Piracicaba estimula reflexão e resulta em dois livros escritos por alunos

Por: Arthur Menicucci, G1 Piracicaba e Região - G1 - 13.04

 
 
'Sociedade dos Poetas Vivos' existe desde 2015 como aula eletiva de um colégio de período integral. 'Perdi um filho e ganhei 380', conta professor que criou a iniciativa.
 
As carteiras organizadas em fileiras dão lugar a um círculo formado por alunos de 11 a 16 anos. Ao centro, um enérgico professor de história de 37 anos que, em 1hora e 40 minutos, discute com os atentos participantes sobre educação, filosofia e a formação da sociedade a partir de obras clássicas da filosofia, filmes e música. Bem-vindos ao projeto "Sociedade dos Poetas Vivos", da Escola Estadual Manassés Ephrain Pereira, no bairro Monte Líbano, em Piracicaba.
 
O projeto, aplicado como aula extracurricular eletiva no colégio de ensino integral, está no quarto ano de existência e já rendeu a publicação de dois livros escritos pelos alunos, que colocam no papel as reflexões propostas. As publicações ocorreram em 2016 e no ano passado e cada uma teve tiragem de mil exemplares entregues nas escolas de Piracicaba, aos professores e aos próprios autores. O projeto, no entanto, vai muito além do resultado concreto dos livros.
 
Quando idealizou a aula, o professor de história Rodrigo Mendonça Mendes buscava “transformar ao menos uma vida”, como ele mesmo define. O que conseguiu, no entanto, foi mudar a forma de ver o mundo de dezenas de estudantes por meio do convite à reflexão e do amor pela escrita.
 
O nome leva a óbvia referência ao filme Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989, em que o professor John Keating (Robin Williams) propõe uma visão de mundo diferente da que é oferecida no ensino regular tradicional. Para isso, o personagem utiliza obras de escritores e filósofos que não estão na base do ensino da época.
 
‘Quem nós somos? Nós somos pensadores’
Na aula que inaugurou o projeto em 2018, a sala tinha 40 alunos. O único ventilador se esforçava para amenizar o calor, mas a temperatura não era suficiente para desviar os olhos atentos dos jovens. O professor começa já com uma indagação. “De onde vem o nome dessa aula?”.
 
Da explicação sobre a referência do longa-metragem, o professor inicia um diálogo sobre o funcionamento da sociedade e a formação da educação regular. Em seguida, assume a metodologia do projeto. “Quem nós somos? Nós somos pensadores. Filósofos”.
 
As aulas ocorrem às quintas-feiras no período vespertino, quando Mendes e os alunos se reúnem e debatem temas que flutuam entre as obras de autores como Michel Foucault e Jean Paul Sartre e filmes como 'O sequestro do Ônibus 174' (2002) e 'O Cheiro do Ralo' (2006). Há, ainda, o uso de músicas, como Another Brick In The Wall, de Pink Floyd.
 
No dia seguinte os jovens devem escrever sobre as reflexões. Desses textos surgiram os dois livros publicados: "A Sociedade dos Poetas Vivos - O Essencial é Invisível aos Olhos" e "A Sociedade dos Poetas Vivos – 2017 – Reflexões Filosóficas". Mendes garante que só escreveu o prefácio de cada um e fez a revisão ortográfica. O restante surge da cabeça do jovens.
 
O ensinamento parece ser bem passado. Quatro alunos que já deixaram a escola, mas frequentaram as primeiras turmas da aula eletiva responderam ao G1, quase em uníssono, o que mais levaram da experiência: a amizade, que é revelada na união dos colegas. Os repetidos abraços e as mãos dadas enquanto caminham pela escola mostram o apoio de uns aos outros.
 
Legado
A jovem Suyane Honorato, de 14 anos, participou da aula eletiva entre 2016 e 2017 e é uma das autoras do último livro. “Eu não tinha personalidade própria, escutava as músicas que as pessoas gostavam para tentar me enturmar, as roupas que eu usava eram por influência das amigas e hoje em dia eu me visto do jeito que eu quero, eu escuto as músicas que gosto”.
 
A estudante, que está no primeiro ano do ensino médio e carrega nas palavras a vivacidade da juventude que anseia por dias melhores, não demonstra dúvida sobre o futuro: quer cursar filosofia.
 
Bianca Ferro, de 14 anos, frequentou o projeto na mesma turma que Suyane e afirma que a aula ajudou a criar reflexões sobre a vida. “Me ajudou a refletir sobre a vida, porque muitas pessoas ditam o que acreditam que é certo e a gente acredita. Então não temos nossa própria opinião, nossa forma de pensar. A aula ajuda nisso”. 
 
Rubens Andriotta Ribeiro, de 19 anos, fez parte da turma inaugural da Sociedade dos Poetas Vivos, em 2015, e diz como foi a primeira impressão da aula. “Quando fizeram a proposta da eletiva, a única coisa que foi revelada era que ia debater filosofia e sociologia, só que a gente não imaginava que ia ser uma coisa tão impactante como foi. E mudou a minha vida”.
 
João Pedro Miranda, 17 anos, é outro estudante que participou da primeira edição do projeto. “Mudou minha vida porque antes eu não era uma pessoa de ter opinião própria, não era objetivo no que pensava. Comecei a pensar de outra forma”.
 
“Uma coisa que tem muito na eletiva é debate, no começo quase ninguém debatia por timidez. Aí depois quando a gente foi se soltando, começaram os debates, uma eletiva mais gostosa de se fazer”, relembra Miranda.
 
“É um pai”
Também em uníssono surge a resposta sobre a importância de Mendes para os alunos. Ribeiro se antecipa. “Eu e ele [aponta para João] não tivemos pais, então é bem essa a representação.” Suyane interrompe. “Pra mim também”, e é complementada por Bianca, que corrobora com a visão dos colegas.
 
“Por ser período integral, você tem muito mais tempo com o professor, pode debater com ele e nem sempre é só sobre escola, pode ser sobre um problema pessoal”, diz Ribeiro. “Às vezes, você precisa de uma opinião de fora para resolver seus problemas”.
 
Rubens Ribeiro formou no ensino médio em 2017 e afirma que enfrenta momentos tortuosos, mas carrega a amizade e os ensinamentos do professor para superar. “Eu passei por muita turbulência, eu perdi minha mãe faz seis meses. Então eu estou passando por um processo de mudança”.
 
‘Perdi um filho e ganhei 380’
Da resposta dos alunos surge a coragem do professor para contar o porquê do sentimento ser recíproco. Ele introduz com uma passagem do filme "Cheiro do Ralo" em que o personagem principal, sentado em um sofá, afirma enquanto fuma que “de todas as coisas que tive, as que mais me valeram e as que mais sinto falta são aquelas que não se pode tocar, são aquelas que não estão ao alcance das mãos e não fazem parte do mundo da matéria”.
 
O professor natural de Ipatinga (MG) explica a motivação intrínseca para criação do projeto. “Um grande objetivo da Sociedade dos Poetas Vivos, que também é dos Poetas Mortos, enquanto lá eles querem extrair a essência da vida, o da gente é valorizar aquilo que a gente não pode ver. E uma das coisas que eu não posso ver, mas que eu sinto muito forte é que era para eu ser pai em 2003 e meu filho faleceu antes de nascer, na gestação”.
 
“Eu perdi algo lá em 2003, uma coisa que só posso sentir e, se a gente for analisar a idade deles hoje em relação ao do nascimento do meu filho, dá 14, 15 anos. Eles têm essa idade, então o sentimento paternal que eles têm por mim é coerente, por que eu perdi um filho em 2003 e ganhei 380 em 10 anos”.
 
Continuidade
O professor explica que as aulas eletivas são decididas em pleitos definidos pelos estudantes. Os professores elaboram as matérias e oferecem aos membros do corpo discente, que escolhem de quais participarão. A Sociedade dos Poetas Vivos existe desde 2015 e quase não foi renovada para 2018.
 
Foi a iniciativa dos novos alunos da escola que motivou Mendes a abrir nova turma, que segue até, pelo menos, o fim de 2018. E, mesmo que o docente tenha outros projetos em vista, são os quatro ex-alunos que garantem a existência da sociedade, até mesmo fora do colégio.
 
“Nós queremos levar isso para a comunidade, montar um grupo para proporcionar o que nós vivemos a mais gente”, afirma Suyane Honorato. “Mesmo se o professor não quiser, porque isso aqui já ficou maior que ele, maior que todos nós”, garante Rubens Ribeiro.
Topo

APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - Praça da República, 282 - CEP: 01045-000 - São Paulo SP - Fone: (11) 3350-6000
© Copyright APEOESP 2002/2011