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Sex, 23 de Dezembro 2016 - 20:17

Das ocupações à CPI da Merenda: o ano em que as lições de resistência vieram da escola

Por: Sarah Fernandes, da RBA - Brasil 247 - 22.12

Estudantes chegaram a ocupar 1.197 escolas em 21 estados. "Toda a nossa resistência vai nos render frutos", diz presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes; nas ocupações que se espalharam pelo país desde meados de outubro, aulas públicas diárias, debates e intervenções culturais, levaram os estudantes a afirmar que fizeram eles próprios uma reforma no ensino médio mais próxima das demandas da juventude.

As medidas anunciadas pelo presidente Michel Temer para a educação desagradaram alunos, pais, professores e especialistas na área e a resposta veio na mesma proporção: 2016 foi o ano da maior mobilização estudantil da história do país. No auge do movimento, na última semana de outubro, estudantes chagaram a ocupar 1.197 escolas e universidades em 21 estados contra a reforma do ensino médio (Medida Provisória 746), o projeto Escola Sem Partido e o congelamento de recursos públicos para investimentos sociais, inclusive na educação (Emenda Constitucional 95).

"Fizemos uma alusão com os caras-pintadas (movimento estudantil de 1992 pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello), que também foi grande, mas essa é a maior mobilização estudantil que já ocorreu no Brasil", disse na época a presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes. "Fazemos um balanço muito positivo. Toda a nossa resistência vai nos render frutos, até derrotarmos a Medida Provisória (746). Ela reverbera para além dos muros das escolas e chega às pessoas que não compreendiam nossa real pauta."

Nas ocupações que se espalharam pelo país desde meados de outubro, aulas públicas diárias, debates e intervenções culturais, levaram os estudantes a afirmar que fizeram eles próprios uma reforma no ensino médio mais próxima das demandas da juventude.

Em Belo Horizonte, em novembro, um acordo histórico garantiu que o movimento Ocupa Tudo, da Universidade Federal de Minas Gerais, firmassem um acordo com a rádio da universidade, a UFMG Educativa, garantindo quatro horas diárias da programação exclusiva voltada ao movimento, além de plantão para notícias urgentes. Em Guarulhos, na Grande São Paulo, um grupo de 30 estudantes secundaristas e universitários ocupou por 11 dias a Câmara de Vereadores do município contra as medidas do governo federal.

Devido à mobilização, o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) adiou as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pelo menos 191.494 dos 8,7 milhões de inscritos, que fariam a prova em 304 locais ocupados. O exame foi aplicado em duas datas 5 e 6 de novembro e 3 e 4 de dezembro. Na época, entidades estudantis afirmaram, em nota, que o MEC adiou as provas para tentar desmobilizar os estudantes, que as eleições municipais – semanas antes – coexistiram com as ocupações sem transtornos e que eles estavam abertos ao diálogo para fazer o mesmo com o Enem.

Um dos principais focos de luta, no entanto, foi o Paraná, onde 848 escolas públicas foram ocupadas. "Não estamos lá para fazer baderna, não estamos lá de brincadeira. Lutamos por um ideal, porque a gente acredita no futuro do nosso país, que vai ser o país dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos, e eu me preocupo com esse país", disse a estudantes Ana Julia Ribeiro, de 16 anos, aluna da Escola Estadual Senador Manuel Alencar Guimarães, que virou ícone da luta dos secundaristas após discurso histórico na Assembleia Legislativa do Paraná, em outubro.

"Uma 'escola sem partido' é uma escola sem senso crítico, é uma escola racista, é uma escola homofóbica. É falar para os estudantes que querem formar um exército de não-pensantes, que só ouve e baixa a cabeça, e não somos isso", disse a jovem emocionada no plenário. "A PEC 241 (promulgada como Emenda Constitucional 95) é outra afronta, inclusive para a Constituição cidadã de 1988. É uma afronta à Previdência, à saúde, à educação e à assistência social. Não podemos deixar isso acontecer e cruzar os braços."

Em 26 de outubro, o jovem Lucas Eduardo Araújo Lopes, de 16 anos, foi encontrado morto na Escola Estadual Santa Felicidade, em Curitiba, que estava ocupada desde o dia 14 daquele mês. De acordo com informações da Polícia Militar, o adolescente foi encontrado com perfurações no tórax e no pescoço. "Os que estão aqui representam o Estado e os convido a olhar as mãos de vocês. Elas estão sujas com o sangue do Lucas", disse a estudante Ana Julia, em um dos momentos mais tensos do seu discurso.

Os estudantes paranaenses sofreram também investidas de militantes do Movimento Brasil Livre (MBL), que tentaram entrar à força em colégios ocupados. Em um deles, chamado Lysímaco Ferreira da Costa, no bairro Água Verde, em Curitiba, os alunos afirmaram que foram agredidos pela Polícia Militar, chamada após o tumulto. No Colégio Estadual do Paraná (CEP), maior escola do estado, os militantes teriam ofendido alunas com provocações machistas.

Como resposta à mobilização, o Ministério da Educação solicitou, por meio de comunicado oficial expedido em outubro, que dirigentes de campi da rede federal de educação profissional e tecnológica identifiquem estudantes e manifestantes que ocuparem instituições de ensino. No distrito federal, o juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e Juventude, autorizou o uso de técnicas de tortura para convencer os estudantes a desocupar os locais, como cortes do fornecimento de água, luz e gás, restrição ao acesso de familiares e até uso de "instrumentos sonoros contínuos" para impedir o sono dos adolescentes.

O movimento estudantil foi criticado publicamente por Temer durante um seminário de Infraestrutura e Desenvolvimento do Brasil, em Brasília, quando o presidente afirmou que os alunos não saberiam o significado da sigla PEC (Proposta de Emenda à Constituição). "(Pergunto) você sabe o que é uma PEC? É uma Proposta de Ensino Comercial. Estou dando um exemplo geral de que as pessoas debatem sem discutir ou ler o texto", disse. Ele afirmou que ao ocupar jovens usam "argumento físico" em vez de "intelectual e verbal".

Apesar disso, os jovens resistiram e mantiveram as ocupações, com intensa mobilização, por cerca de um mês. Depois disso, tribunais de justiça estaduais expediram uma série de mandatos judiciais de reintegração de posse e os jovens foram obrigados a desocupar as escolas e universidades, deixando um legado de resistência. "A mobilização de vocês é fundamental. Nas ocupações de escolas e universidades estão as mais importantes trincheiras contra o retrocesso, pela democracia e pelos direitos sociais", disse a ex-presidenta Dilma Rousseff em vídeo gravado para os estudantes, publicado por ela em 16 de novembro.

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