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Seg, 17 de Setembro 2018 - 18:02

Audiência da BNCC do Ensino Médio: "Os senhores são especialistas, mas nós temos a prática"

Por: Revista Nova Escola - 17.09 - Paula Peres, Laís Semis

 
Última audiência pública da Base é marcada por participação de professores e estudantes contrários à reforma do Médio, mas evento esvaziado não traz novas propostas
 
Esquema de segurança reforçado, portão fechado para acesso exclusivo de quem se cadastrou e lembrou de imprimir o comprovante. Sobram cadeiras no auditório. Nem mesmo os estudantes, que foram grandes protagonistas de edições passadas desse ciclo de debates sobre o Ensino Médio, apareceram. Esse foi o cenário de abertura para a realização da última audiência pública sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, realizada nesta sexta-feira (14) pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em Brasília (DF), depois de ter sido remarcada duas vezes (saiba mais no infográfico abaixo).
 
O esvaziamento inicial é algo inédito entre audiências da BNCC, que teve, em sua edição no Nordeste em 2017, todas suas vagas preenchidas às 10h30 da manhã do primeiro dia de inscrições. Em São Paulo, no mesmo ano, houve fila de espera e pessoas em pé em torno do auditório de vidro.
 
Diferentemente também do modo como a audiência costuma operar, dessa vez não houve apresentação de abertura. Em geral, os momentos iniciais contam com a explicação sobre o que é o documento e uma retomada do histórico do desenvolvimento da BNCC, ocupando boa parte da manhã. Em Brasília, centro do poder e sede do Ministério da Educação, após a apresentação dos conselheiros e breve introdução do presidente Eduardo Deschamps, a audiência foi aberta para as falas.
 
O público chegou aos poucos. Ainda assim, cadeiras reservadas aos funcionários do MEC e do governo não chegaram a ser todas ocupadas. Antes do almoço, diversos participantes se retiraram do auditório do Conselho Nacional de Educação, enquanto a audiência transcorria.
 
Barulho pela democracia
O silêncio do público durou pouco: às 10h30, eles ganharam voz sobre o microfone. “As pessoas foram barradas, fizeram a inscrição, vieram de São Paulo, do Rio e não puderam entrar! O auditório está vazio! Esse espaço é nosso!”, gritavam algumas pessoas da plateia. “Isso é uma audiência pública! Libera, libera!”.
 
Eduardo Deschamps tentou mediar explicando os procedimentos da audiência: “As pessoas inscritas estão entrando. No período da tarde, faremos uma avaliação para deixar entrar novos participantes”, disse o presidente do CNE e da comissão bicameral da Base na instituição.
 
Depois de 10 minutos de tensão em que integrantes da plateia gritavam palavras de ordem e os conselheiros procuravam dar andamento ao processo, os conselheiros Luiz Cury, Márcia Ângela e César Callegari deixaram a audiência e foram aos portões do CNE para negociar a liberação de mais pessoas para as vagas livres no auditório. Do lado de fora, cerca de 25 pessoas aguardavam, entre professores e estudantes. Alguns usavam camisetas e carregavam bandeiras de sindicatos e entidades docentes, como Sinpro e Apeoesp.
 
As manifestações do público
Na primeira parte do evento, instituições que se fizeram presentes em todo o processo das audiências públicas, como a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Sociedade Brasileira de Computação, reforçaram sua posição de apoio à BNCC e trouxeram demandas específicas dos temas que apoiam (em linhas gerais e respectivamente, ensino do holocausto como matéria curricular e pensamento computacional e cultural digital).
 
No entanto, a maioria das falas era contra a implantação da Base do Ensino Médio. Os professores se manifestaram com palavras de ordem e falas de repúdio – ao documento, à sua estrutura e ao empresariado, que é próximo e ativo no debate. “A Base favorece a privatização empresarial, aprofundando as desigualdades e distanciando a juventude da qualidade educacional. A BNCC e a Reforma amesquinham o currículo, priorizando as competências. Repudiamos de forma veemente o documento”, disse uma das manifestantes.
 
Depois que o público barrado no portão conseguiu entrar, diversos docentes e estudantes se inscreveram para trazer suas perspectivas sobre o processo de criação da BNCC e da reforma do Ensino Médio. Com espaço de fala no microfone, as manifestações cresceram. “O chão de escola já deixou claro que repudia a BNCC”, disse uma das últimas professoras inscritas para fala no período da manhã, quando abriu mão de seus 3 minutos.
 
Nos discursos, quatro pontos se repetem:
Processo pouco democrático de aprovação da reforma do Ensino Médio e da construção do próprio texto da BNCC;
O foco em Língua Portuguesa e Matemática é um dos pontos mais criticados por quem é contrário ao documento. Essas disciplinas, além de aparecerem dentro das áreas de conhecimento, também são componentes curriculares isolados;
A participação de empresas na construção do documento e apoio à Base é alvo de contenção por parte dos professores, que criticam o CNE por ouvir as instituições mais do que quem tem conhecimento de sala de aula. “Eu vejo a representação dos grandes empresários aqui”, disse uma professora;
A flexibilização e toda a proposta do Novo Ensino Médio ampliaria as desigualdades e oportunidades de Educação entre as diferentes classes sociais.
“Nós não fomos e não somos ouvidos. Colocam a culpa de tudo de ruim que acontece na Educação nas nossas costas, mas na hora de fazer as mudanças, não nos ouvem”, disse uma professora que não se identificou. Apresentando-se como “apenas uma simples professora”, ela emendou: “Os senhores são especialistas, mas nós temos a prática, estamos em sala de aula e conhecemos o caminho das pedras. A mensagem que essa BNCC passa é: aos pobres, somente Português e Matemática. Aos ricos, todas as outras disciplinas”.
 
Os secundaristas se juntaram ao coro que criticou a BNCC quando, segundo eles, a realidade brasileira não tem estrutura para garantir sua implementação e sequer o seu debate. “Querem reduzir a nossa carga horária de 4 para 3 anos, mas eu já passo o dia
 
inteiro estudando nesses quatro anos. Minha avó não sabe usar a internet. Como ela se inscreveria para participar dessa audiência?”, disse Maria Eduarda, estudante do Instituto Federal do Rio Grande do Norte. “Não é possível ter uma BNCC de Ensino Médio depois dessa reforma e da emenda que congela os investimentos em Educação para os próximos 20 anos, nossas salas de aula não comportam os estudantes e não têm nem ar condicionado, internet, tecnologia”, protestou o estudante Daniel, da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
 
Estudantes de Pedagogia, durante seu tempo de fala – que deveria ser de 3 minutos como todas as outras falas que ocorreram–, estenderam uma faixa contra a BNCC e a reforma do Ensino Médio e discursaram por mais de cinco minutos. Só encerraram sua participação quando seguranças se aproximaram do palco e o microfone foi desligado. No retorno do almoço, apenas duas pessoas quiseram se manifestar.
 
Momento de acertar
A audiência prosseguiu com as considerações dos conselheiros. Em suas considerações finais, as conselheiras Katia Smole, Aurina de Oliveira Santana e Suely Melo de Castro Menezes e o relator Joaquim José Soares Neto valorizaram o debate e a importância de escutar as inquietações dos professores e estudantes. “Não dá para desprezar todas as questões que aqui foram colocadas para que a nossa BNCC não seja inócua”, defendeu Aurina. “Divergências fazem parte do debate. O que não pode é dinheiro público ser jogado fora porque um grupo cerceou o direito dos outros de falarem”, disse uma funcionária, referindo-se às duas audiências canceladas, em São Paulo (SP) e em Belém (PA).
 
Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), defendeu a Base do Ensino Médio. “Eu acredito que ninguém faz mudanças para pior intencionalmente", disse referindo-se às críticas de professores. "Podemos errar, inclusive os professores podem errar nas escolhas de metodologia, avaliação, mas estamos sempre tentando melhorar. A BNCC se torna o primeiro passo para um sistema nacional de ensino".
 
O conselheiro Cesar Callegari foi mais crítico. "O que nos une é a ideia de que é sim necessário fazer alterações profundas na educação do nosso país, mas não temos mais o direito de errar. O nosso momento aqui é o momento de acertar", disse ao reforçar que o processo democrático é trabalhoso e exige paciência. Ele enfatizou a importância de se ouvir estudantes e professores no processo, mas admitiu que a discussão era insuficiente "não apenas de como nasceu essa proposta, mas também porque na própria elaboração, pouco se escutou e pouco se aproveitou do cabedal e das lições que a Educação brasileira dá". E afirmou: "Eu defendo a revogação da lei do Ensino Médio. Essa lei é excludente e reducionista quando diz que os direitos de aprendizagem ficam apequenados em apenas 1800 horas. Não estou dizendo que não é necessário fazer uma reforma, mas é preciso construir uma nova lei. Não tem como ser emendada, nem melhorada".
 
O relator Francisco Soares salientou a importância de buscar convergências de interesses entre todos os que defendem a Educação. “Estamos vivendo um momento em que não deveríamos acirrar as diferenças quando temos um horizonte à convergência, e essa convergência chama-se direito à Educação, a aprender, ao conhecimento”, defendeu.
 
O Conselho Nacional de Educação recebe contribuições e propostas de alterações no texto da Base do Ensino Médio por meio de formulário eletrônico disponível no site das audiências do CNE até a meia-noite desta sexta-feira (14). Um novo processo se inicia a partir daí
 
A primeira reunião do conselho para discutir o tema está agendada para outubro. De acordo com Cesar Callegari, o Ministério da Educação tem expectativas de que a aprovação para a nova Base do Ensino Médio seja concluída ainda em 2018. “O MEC tem manifestado verbalmente o desejo de aprovar a Base este ano”, afirmou.
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