Durante a pandemia, o governo Doria deixou de investir em reformas estruturais que deveriam melhorar a ventilação nos prédios escolares, assim como atrasou em quase um ano a implantação de políticas para garantir o acesso de estudantes ao ensino remoto. A baixa execução orçamentária e o descompromisso com a melhoria da conectividade aproximam, pelo lado da inação, a Seduc-SP de Rossieli Soares e o MEC de Milton Ribeiro.
Já pelo lado da ação, a Seduc-SP alterou a metodologia de atribuição do status de “não comparecimento” aos estudantes sem presença ou notas registradas no sistema. Assim, o governo Doria excluiu milhares de estudantes das escolas estaduais, tratando como abandono a falta de acesso pela qual ele próprio é responsável. A megaoperação de cancelamento de matrículas foi feita à revelia de famílias e direções escolares, e, como provável efeito colateral, colocará os atores escolares uns contra os outros, visto que, antes da mudança no procedimento, a prerrogativa de decidir sobre o cancelamento era das direções escolares. Em algumas regiões do estado, diretoras
foram informadas de que a exclusão por atacado foi causada por um “erro do sistema” (que, curiosamente, não foi revertido acionando-se o backup do sistema). Para outras, o recado foi que a exclusão sumária é a nova regra da casa.
Uma das apostas da Seduc-SP é que expulsar os estudantes é uma forma de estimulá-los a voltarem às escolas, pressionados por pais desesperados com a perda da matrícula e por telefonemas urgentes de diretores cujas escolas perderam centenas de estudantes da noite para o dia. É bem provável, contudo, que o resultado dessa aposta seja a exclusão definitiva de uma massa de estudantes da rede estadual, uma vez que a Seduc-SP não criou condições para a implementação de sistemas de busca ativa centrados nas escolas e que, nos dias que correm, o maior desespero das famílias vulneráveis em São Paulo é ter condições de se alimentar.
Com isso em mente, o engenhoso governo paulista lançou um programa de “transferência de renda” com o objetivo de prevenir o abandono escolar: uma “bolsa” de mil reais por ano eletivo para 300 mil estudantes do ensino médio e do 9º ano do ensino fundamental em condições de pobreza ou extrema pobreza. O cronograma de pagamentos do novo benefício – dividido em nove parcelas de R$ 111,00 – coincide com o início e o final dos bimestres letivos, de modo que ele mais poderia ser classificado como uma recompensa do que como um auxílio para a garantia da permanência na escola.
O prêmio em dinheiro exige que – a cada bimestre – os estudantes mais vulneráveis da rede estadual mantenham a frequência escolar acima dos 80%, realizem atividades complementares por meio do aplicativo do Centro de Mídias de São Paulo (CMSP) e participem de, pelo menos, uma das avaliações oficiais. Os estudantes do 3º ano do ensino médio também precisam cumprir no mínimo 80% das atividades preparatórias para o Enem no aplicativo.
Além de constituírem um grave problema social por si sós, as taxas elevadas de abandono escolar também contribuem para derrubar os números do Idesp, principal indicador educacional da rede paulista. A criação de um programa de recompensas para lidar com o problema do abandono escolar é a expressão máxima do arranjo gerencial-reacionário que barbariza a educação pública paulista. A nova política de “transferência de renda” se endereça menos à mitigação da pobreza que tira os estudantes das escolas do que ao problema administrativo burocrático da própria Seduc-SP, interessada em manter as taxas de expurgo da rede estadual em níveis estacionários e, de preferência, fora do radar da opinião pública. A quintessência do bolsodorismo.
Para quem acredita no retorno de Bolsodoria como mera expressão de oportunismo eleitoral, recomendo que procure saber o que se passa nas escolas estaduais da maior rede pública do país.
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