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Qua, 12 de Novembro 2025 - 16:14

A escola e o racismo: um papo de branco

Esse trabalho é árduo e não pode ser eventual: é tarefa cotidiana.

Por:

Luiz Antonio Simas

Professor de história, educador popular, escritor, poeta e compositor. Tem mais de 30 livros publicados sobre as culturas populares do Brasil. Foi finalista do Prêmio Jabuti em quatro ocasiões e ganhador do mesmo prêmio na categoria Livro do Ano de 2016, em parceria com Nei Lopes, pelo Dicionário da história social do samba (Civilização Brasileira, 2015). Suas canções foram gravadas por artistas como Maria Rita, Marcelo D2, Rita Benneditto, Douglas Germano, Moyseis Marques, Lúcio Sanfillippo e Fabiana Cozza.

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Tenho trinta anos de experiência em sala de aula. Trabalhei com ensino fundamental, ensino médio e ensino superior; dei aulas, ao mesmo tempo, para a elite carioca de Ipanema e para trabalhadores de Campo Grande que precisavam estudar à noite porque desde cedo trabalhavam. Convivi em sala com adolescentes de Botafogo e da Vila Kennedy, houve ano em que dei aulas de manhã para a elite de Icaraí e de noite para a turma do Pavão/ Pavãozinho. A partir dessa experiência em sala de aula, farei algumas observações, em tópicos, sobre a necessidade de se pensar as tensões entre racismo e educação.

Vamos lá.

– O ponto de partida para qualquer discussão é considerar que o racismo e o colonialismo são modos socialmente gerados de perceber o mundo. Raça não é uma condição biomolecular, não existe como tal, mas uma poderosa construção fenotípica e cultural. Quando falo de raça, me refiro a uma construção social que opera na dimensão do racismo e me faz ter, como branco, a proteção da cor da pele.

– O racismo é um problema patológico dos brancos. Como tal, pensemos, nós que somos brancos, inclusive os que (como eu) foram civilizados por saberes pretos, a nossa incontornável branquitude. Isso já virou uma questão de, no mínimo, compostura intelectual.

– Educar é ensinar e aprender que não há detentores do monopólio do saber, da inteligência, da beleza ou da verdade. As sociedades contemporâneas são heterogêneas e complexas. A escola deve pensar permanentemente o dissenso criativo e o convívio entre diferentes com direitos correlatos.

– Analisando certa feita vários livros didáticos de História para emitir um parecer, constatei que a Revolução Haitiana continuava sendo ensinada (quando era) de forma periférica nas nossas escolas. Não ocorria nesses livros levantar uma questão crucial: por que é que os entusiastas da Revolução Francesa e da ideia dos direitos universais do homem se apavoraram com a Revolução do Haiti? Como justificar a ideia de que o Homem Universal não incluiria os escravizados/colonizados haitianos que se insurgiram contra a tirania?

– A resposta dos adeptos do pensamento racionalista europeu a este incômodo foi jogar a discussão pro campo da dicotomia entre civilização e barbárie, operando o conceito de raça para estabelecer os que tinham condições de ter seus direitos reconhecidos (civilizados/brancos) e os que não deveriam ter esses direitos (selvagens/outros).

– Daí concluo que toda a construção do “Ser Branco” em um estado colonial, passa a se fundamentar na naturalização de uma superioridade que seria inata à nossa condição biológica (brancos) e cultural (ocidente/cristianismo/ciência). A patologia colonial da branquitude é o complexo de superioridade.

– A neurose do branco colonizador é a de que somos, ao mesmo tempo, colonizados. Já não somos europeus, nunca poderemos ser, e não queremos ser americanos do sul. Vivemos na rasura. Nos sentimos superiores (a negros, indígenas) e inferiores (aos imaginados “europeus legítimos”) ao mesmo tempo. Descontamos o fato de não termos a Mona Lisa desprezando a arte marajoara. Não seremos o que gostaríamos de ser e detestamos o que somos.

– Como lidar e desconstruir o complexo de superioridade em relação aos negros e indígenas – um pilar do racismo – e o complexo de inferioridade em relação aos povos do Norte? De que maneira a escola deve encarar isso?

– Não basta para as escolas, sobretudo as escolas particulares e de elite, trabalhar com as culturas afro-indígenas, como se isso fosse (ainda que muito importante) suficiente para combater o racismo. Muitas vezes, inclusive, esse trabalho anda no fio da navalha do fetiche entusiasmado e do paternalismo condescendente.

– É urgente que as escolas particulares discutam a patologia da branquitude, debatam com professores e alunos (quase todos brancos) o lugar de privilégio do ser branco na colonialidade. Enquanto isso não for feito, ficaremos nas bordas do enfrentamento da neurose da superioridade.

- Não adianta encarar os saberes não brancos como laboratórios de experiência que precisam de um laboratório conceitual branco para serem compreendidos. Ou se descoloniza o pensamento, o ser, o currículo, a escolaridade, para que ela se afirme como uma política de vida e liberdade, ou enxugaremos gelo. Nós, os brancos, somos agentes desse horror.

Esse trabalho é árduo e não pode ser eventual: é tarefa cotidiana.

 

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