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Ter, 08 de Dezembro 2015 - 15:27

Opinião: Democratize-se, governador

"Os estudantes não estão perdendo dias de aula. Estão aprendendo e vivenciando a democracia de uma forma mais plena", afirma Guilherme Perez Cabral

Por: Guilherme Perez Cabral * - UOL Educação - 07.12

 

Voltando ao tema da ocupação de escolas paulistas, em protesto contra reorganização escolar decretada pelo Governo do Estado, chamou muito a atenção a fala do governador, em entrevista, na semana passada, a canal de televisão. Disse estar aberto ao diálogo, ressaltando, porém, que a reestruturação já foi feita. Acredita que, "com diálogo", seu governo conseguirá explicar, à população, a medida que é "necessária e correta". Mas questiona a "politização" da questão: grupo de "quatro alunos" invadindo escola e atrapalhando aulas de toda a turma, envolvimento de "movimentos políticos".

Resumindo. Um político se dizendo disposto a conversar, mas não a mudar sua decisão já tomada. Contradiz o próprio discurso. Baseado em alguma pseudociência neutra e acima de interesses políticos dos outros, atribui a si a propriedade técnica do ponto de vista certo. E, assim, com essa conversa mole para boi dormir, combatendo a politização alheia com "rigor científico", continua ignorando o que os alunos (cidadãos) têm a dizer. Continua ignorando o significado político-educacional das ocupações.

Quero contrapor a fala cretina. Lembrei-me de um livro, na verdade um diálogo entre os educadores Moacir Gadotti, Paulo Freire e Sérgio Guimarães (Pedagogia: diálogo e conflito, Cortez, 1989). Permite uma compreensão menos rasa e deturpada do assunto. Pelo menos, outro ponto de vista. Dele, destaco três lições importantes.

Primeiro, a percepção clara de que participação política não prejudica o processo educativo. Pelo contrário. Na fala de Paulo Freire, não podemos associar a participação democrática dos estudantes com perda de rigor científico. A formação vai muito além de boas notas em química, física e matemática, da aprovação em vestibular concorrido. A educação visa também ao preparo para a cidadania. Não se educa sem envolvimento do aluno nas decisões e na organização da escola (e da sociedade em geral). Pois é aí, no "mundo da vida", que surgem as contradições, os conflitos, estimulando a curiosidade, a investigação, promovendo a reflexão crítica.

Ligado a isso, como segunda lição, sublinha o momento formativo privilegiado que a mobilização dos alunos representa (no livro, fala-se especificamente de movimentos grevistas). Pois, dessa forma, tornam-se sujeitos de seu processo de ensino-aprendizagem, participando dos debates sobre o sentido da própria educação, reunindo-se em assembleias, apresentando demandas ao governo, ocupando as escolas, dividindo tarefas básicas nos locais ocupados, organizando-se para a obtenção de apoio da comunidade.

Governador, não há paralisação de atividades. Os estudantes não estão perdendo dias de aula. Estão aprendendo e vivenciando a democracia de uma forma mais plena da que o senhor consegue suportar. Crescem em consciência, mais crítica, da própria realidade e da importância de sua necessária participação, com responsabilidade, na transformação de uma sociedade que é injusta.

Por fim, a terceira lição: como é míope a visão de que a escola tem de ser "pacífica", silenciosa, obediente (a "paz sem voz"). Diz Gadotti, só a instituição de ensino autoritária é assim. Escola é lugar de conflito, de debate de ideias, confronto de opiniões, participação, princípios que se aplicam à escola e à vida democrática, como um todo. No momento em que o aluno começa a falar, a praticar a democracia, de modo mais efetivo, os mecanismos autoritários aparecem.

E como estão aparecendo. O rei ficou nu. E irritado. A fala mansa, dócil e articulada do Sr. Geraldo, diante das câmeras, não esconde mais seu autoritarismo, sua dificuldade de conversar, sua relutância à democracia participativa, sua falta de respeito com o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público – fato reconhecido pelo Poder Judiciário!

Democratize-se, governador. Converse mais. Leia mais Paulo Freire e companhia. Nada é imune ao diálogo, nem sua reorganização. Tudo isso pode ser um grande aprendizado.

Guilherme Perez Cabral é advogado especialista em direito educacional, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito.

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