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Ter, 07 de Fevereiro 2017 - 17:46

O legado das ocupações nas escolas

Por: FLÁVIA YURI OSHIMA, COM BEATRIZ MORRONE - Revista Época - 05.02

 
Um ano depois, os alunos do primeiro colégio ocupado na capital paulista mostram que são capazes de ajudar a cuidar do próprio espaço – mesmo que às vezes se atropelem um pouco
 
A ocupação das escolas paulistas do fim de 2015 foi a mobilização estudantil exclusivamente secundarista mais bem-sucedida da história. Os estudantes, majoritariamente com idades entre 15 e 17 anos, protestavam contra o projeto de reorganização escolar em São Paulo, que transformaria escolas de dois ciclos – ensino fundamental e médio – em unidades de ciclo único. Depois de quase 60 dias de ocupações, que envolveram mais de 200 colégios, o governo paulista recuou e suspendeu a reorganização. O sucesso do movimento paulista inspirou outras mobilizações pelo país ao longo de 2016. Em Goiás houve ocupações após o governo estadual anunciar um programa de escola pública no formato Organização Social (OS). 
 
No Rio de Janeiro, colégios foram ocupados em resposta à decisão do governo estadual, no meio do ano, de suspender o aumento dos professores. O ápice se deu em agosto. Contrários à medida provisória que prevê uma reforma do ensino médio (MP 746, editada em setembro) e à proposta de emenda constitucional que estabelece teto para o gasto público federal (PEC 55, aprovada em dezembro), secundaristas de todo o país ocuparam mais de 1.000 escolas em protesto. A abrangência do movimento atrapalhou o calendário de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Um ano depois das ocupações iniciais, ÉPOCA voltou à primeira escola ocupada na capital paulista, a Fernão Dias Paes, a fim de conferir que tipo de mudança se manteve.
 
O dia a dia da escola numa avenida movimentada de Pinheiros, bairro da Zona Oeste da cidade, mostra que o efeito da mobilização se estendeu para muito além da reivindicação inicial. Veem-se as mudanças nos muros, na limpeza e na organização das salas, no calendário de eventos fora do currículo normal e na forma como se passou a ministrar parte das aulas. Por trás de cada uma delas estão os estudantes. Eles definiram e trabalharam nas novas ilustrações dos muros, em campanhas de limpeza e organização e em eventos que ocorrem fora do horário de aulas. “Antes, eles eram silenciosos. Mas voltaram depois da ocupação mais à vontade para expor opiniões, participar das aulas e das reuniões com professores e direção”, diz o professor de filosofia Filipe de Freitas.
 
Percebe-se a amplitude do espaço ocupado pelos alunos da Fernão Dias antes mesmo de chegar à escola. Como ocorre com qualquer entidade educacional, jornalistas têm de pedir permissão à Secretaria de Educação para ter contato com alunos, professores e direção no ambiente escolar.
 
ÉPOCA voltou algumas vezes à Escola Fernão Dias e em todas as ocasiões ouviu da Secretaria de Educação que a direção conversaria com os alunos, para que ambos aprovassem a visita. Participar de decisões de impacto na escola foi a principal reivindicação  dos estudantes, ao lado da interrupção da reorganização proposta pelo governo paulista. “Na ocupação, criamos um vínculo mais forte com a escola”, diz Laura Bueno, de 16 anos.
 
Laura participou de um dos eventos que mostram o novo tipo de laço dos estudantes com a instituição. Nas férias de julho, com a aprovação da direção, ela e outros nove estudantes do ensino médio organizaram um mutirão da limpeza. “Faltam funcionários na escola. A gente achou importante ajudar as tias da limpeza a cuidar deste espaço”, diz Laura. A princípio, o mutirão duraria uma semana. Laura e seus colegas lustraram móveis, varreram o chão e limparam janelas por 20 dias. “Eles adoram a escola, não queriam ir embora”, diz a diretora Lucila Françoso.
 
O reflexo da mudança dos alunos também chegou a algumas aulas. Foi o caso do estudo de biomas brasileiros e cultura regional, elaborado em conjunto pelas professoras Rosângela Santos, de geografia, e Conceição Wenzel, de português, com turmas do 2o ano do ensino médio. Quase 160 alunos participaram do projeto que relacionou o estudo de biomas, como caatinga e Mata Atlântica, com a produção literária e a música típicas das regiões. Cada grupo de alunos ficou responsável por um dos seis maiores biomas do Brasil. Houve apresentações de dança, música e teatro inspiradas no que estudaram. Outra novidade do projeto, sugerida pelos alunos, foi o uso de espaços fora da sala de aula, como o pátio e o jardim da escola. A inovação agradou. É mencionada pelos alunos como um exemplo de quebra do conservadorismo que, para eles, sempre marcou a escola.
 
O ambiente renovado de diálogo e colaboração não se estabeleceu facilmente nem se mantém sem esforço. Logo após as ocupações, a volta às aulas no início de 2016 foi marcada por um clima de estranhamento e discórdia  entre estudantes – apoiadores ou não do movimento –, professores e direção. Em um campo, havia alunos com receio de baixar a guarda e perder o espaço conquistado por meio das ocupações. No outro, havia alunos e professores preocupados em seguir o cronograma escolar. Muitos reclamam que as discussões constantes chegavam a impedir algumas aulas de ocorrer. “A escola ficou dividida entre ocupantes e não ocupantes. Toda tentativa de diálogo se transformava em briga”, afirma Joyce Nunes, de 17 anos.
 
 
Joyce apoiou as ocupações no início do movimento, mas mudou de ideia logo após a retomada das aulas. “Parte dos alunos que estavam na ocupação se tornou intolerante com quem pensava diferente. O contrário também acontecia. Tinha briga e agressão o tempo todo”, diz ela. O clima piorou a relação dos estudantes com o corpo docente. “Alunos inflamados começaram a chamar professores de machistas e homofóbicos”, diz o professor de química Rolf Cohn. “Passaram a ditar suas próprias regras, como entrar e sair das aulas quando queriam”, afirma. Foi lenta a transição entre a fase de estranhamento e a de colaboração.
 
Em abril, uma nova tentativa de ocupação colocou à prova a capacidade de todos de chegar a um consenso democrático – e acatá-lo.  Em meio aos protestos das escolas técnicas, de gestão federal, pelo direito à merenda quente – que inclui alimentos cozidos –, um grupo de alunos propôs a ocupação da Fernão Dias. A maioria foi contra. Ainda assim, alguns estudantes não aceitaram a decisão e resolveram ocupar a escola numa sexta-feira de madrugada. Dois dias depois, por pressão de colegas, professores e pais, voltaram atrás. “Acho natural que tenhamos passado por esses conflitos até descobrirmos como funcionar de um jeito diferente”, diz Ícaro Pio, de 18 anos, um dos alunos que participaram das ocupações. “O lado bom disso foi que todos passaram a se expressar. Nasceu uma cultura de diálogo e posicionamento.”
 
O ambiente de disputa na escola tornou-se menos acirrado à medida que alunos, professores e direção conseguiram construir alguns consensos. Em meados de abril, uma assembleia de alunos decidiu por votação o modelo de grêmio estudantil que seria adotado na escola. Venceu o grêmio livre, que não é representado por chapa, mas por todos que quiserem integrá-lo. “O grêmio ainda está se organizando para começar a funcionar. Não é simples lidar com a falta de uma representação definida”, diz a diretora Lucila. A ausência de lideranças é característica do movimento secundarista. Seus integrantes preferem as decisões coletivas, tomadas em assembleias, em que todos podem manifestar opinião – mesmo que esse modelo demande mais tempo e dê mais trabalho.
 
A Fernão Dias ainda não é a escola que alunos e professores querem. Mas o modelo atual, com os alunos desempenhando o papel central, está mais perto da escola de que o século XXI precisa que o de antes das ocupações. Independentemente das dificuldades, o retorno ao modelo anterior deixou de ser uma opção.
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