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Qua, 06 de Dezembro 2017 - 17:21

Transtornos emocionais são as principais causas de afastamento de professores

Por: Luiza Souto - O Globo - 05.12

 
Pesquisa mostra que 71% dos profissionais ouvidos já deixaram de trabalhar em razão de problemas psicológicos e psiquiátricos
 
Já era a última aula do dia numa escola estadual no Centro de São Paulo. Mary, de 51 anos, que prefere não dar seu nome verdadeiro, dava orientações à turma de biologia quando o sinal tocou. Impacientes, os alunos do ensino médio tentaram sair da sala antes do aval da professora, que acabou agredida verbalmente — e quase fisicamente — por causa da demora em finalizar os trabalhos. Deprimida, depois de uma série de “incidentes” parecidos na sala de aula, ela decidiu se afastar do trabalho.
 
— Vieram para cima de mim tentando me empurrar. Se eu não tivesse saído da frente eles passariam de qualquer jeito. Fiquei com pânico de ir nessa escola e comecei a faltar. Estou de licença desde agosto — conta Mary, que leciona desde 1988 e há 16 anos apresenta históricos de depressão, segundo ela, em razão do crescente ambiente hostil da escola.
 
Mary não está só. Uma pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aponta que 71% dos 762 profissionais de educação da rede pública de vários estados entrevistados no início de 2017 ficaram afastados da sala de aula após episódios que desencadearam problemas psicológicos e psiquiátricos nos últimos cinco anos. O estresse, muitas vezes provocado por situações de insegurança, tem a maior incidência, com 501 ocorrências (65,7%). 
 
Vem seguido por depressão (53,7%), alergia a pó (47,2%), insônia (41,5%) e hipertensão arterial (41,3%). Há ainda aqueles que apresentaram apenas sintomas de mal-estar. Foram pelo menos 531 casos de ansiedade, 491 de cansaço ou fadiga e 480 referências a problemas de voz.
 
A coordenadora da pesquisa da CNTE, Juçara Vieira, observa que até há pouco tempo a perda de voz era a campeã entre as doenças que tiravam profissionais de educação da escola. Para ela, os transtornos mentais têm avançado muito devido à deterioração das condições de trabalho e à maior agressividade dos alunos.
 
Na semana passada, imagens de um professor sendo espancado dentro de uma sala de aula da Escola Estadual Antônio de Alcântara Machado, na zona sul de São Paulo, viralizaram nas redes. O aluno, de 20 anos, não ficou satisfeito com uma nota e agrediu o profissional. Um boletim de ocorrência foi registrado. Numa carta aberta em uma rede social, o professor Cleiton Munhoz diz que está bem e tomando as providências cabíveis. Religioso, ele pede que orem por ele e pelo agressor.
 
Segundo a Secretaria estadual de Educação, Munhoz está de licença por uma semana e o estudante foi suspenso. O caso está sendo acompanhado por supervisores, informou a secretaria.
 
‘Eu era meio que carcereira’
Viviane, de 37 anos e há sete dando aulas de inglês em escolas do município de São Paulo, começou a sentir sintomas de estresse em 2014, quando trabalhou em Tatuapé, na Zona Leste. Ela, que teme se identificar, lembra como “o pior momento” de sua vida aquele em que pediu exoneração após receber ameaças dos alunos:
 
— Eu era meio que carcereira no colégio, porque minha função era basicamente ficar na porta para evitar que os alunos fugissem. A maioria dos estudantes entre 10 e 12 anos era analfabeta e eu não conseguia passar dever. Quando escrevia no quadro, me jogavam coisas para eu parar. E eram agressivos. Já me ameaçaram dizendo saber o endereço da minha casa. Tratam você como um saco de lixo.
 
Nos primeiros sintomas de depressão, Viviane procurou um psiquiatra, mas até hoje sofre de pressão alta e enxaqueca crônica. Teve ainda doenças que atribui a efeitos psicossomáticos do estresse na escola, como um cisto no ovário. Depois que pediu exoneração, em 2014, diz, tudo melhorou. Hoje, ela atua em apenas uma escola estadual, mas já decidiu mudar de profissão.
De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão de São Paulo, em 2015 houve 25,7 mil afastamentos de professores por problemas psicológicos. No ano seguinte, o número dobrou. Foram 50,4 mil, que a pasta atribuiu a “um acréscimo de 40 mil professores na rede de ensino e aumento de perícias”. Entre janeiro e julho de 2017, informa, foram afastados 18,6 mil professores, por transtornos mentais e comportamentais.
 
No Rio, dados da Secretaria estadual de Saúde apontam que 66% dos 2,4 mil professores fluminenses licenciados em 2014 tinham doenças psiquiátricas. De janeiro a outubro deste ano, o percentual caiu para 48% entre 3,5 mil professores licenciados, mas ainda segue alto.
As histórias de agressão são muitas. A professora de português Larissa da Silva, de 33 anos, ficou afastada durante quatro meses das salas de aula, no município do Rio, em 2015. Hoje, gasta um terço do salário de R$ 1,5 mil com três antidepressivos.
 
— Uma aluna já pegou prova da minha bolsa. Chamei os pais. Um deles disse que a culpa era minha por ter deixado a bolsa na sala. Dá vontade de desistir. Eu me pergunto por que Deus me deu essa vocação. Isso foi me dando estresse. Em 2015, eu me afastei com crise de ansiedade.
Alessandra de Oliveira está há 23 dos seus 47 anos lecionando ciências nas redes estadual e municipal em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Ela diz que, além das condições ruins de trabalho — ela mesma comprava materiais, de lápis a impressora —, sofria constantes agressões verbais dos estudantes. No dia em que pediu para um aluno indisciplinado enviar recado aos responsáveis, teve o carro arranhado no estacionamento do colégio. Em 2014, apresentou sintomas de depressão e se afastou do município. Mãe de um menino de 9 anos, a professora toma antidepressivos e remédios para dormir. Sem melhora, deixou a escola estadual em agosto.
 
— Antigamente, aluno falava baixo. Hoje, mandam para onde acham que têm que mandar. Passam a aula com o celular. Não respeitam. Isso foi me levando ao esgotamento mental. Nos últimos meses, tive paralisia. Ficava sem reação. Fui perdendo a memória e tive tremores — conta ela, que deve se aposentar em dois anos, quando acabar a licença.
 
O problema também acontece na rede privada. Levantamento do Ministério da Previdência feito a pedido do GLOBO mostra que fraturas, luxações, entorses e lesões encabeçam a lista dos 7,5 mil profissionais de educação de colégios particulares afastados por acidente ou doença do trabalho entre 2014 e 2016 por mais de 15 dias, quando passam a receber pelo INSS. Mas reações ao estresse grave e transtornos de adaptação, depressão e outros transtornos de ansiedade já respondem juntos por quase 5% dos casos (351).
Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), há hoje no Brasil 2,2 milhões de professores atuando na educação infantil e no ensino fundamental. Para o professor Heleno Araújo, presidente da CNTE, falta de investimento no ambiente escolar e salário baixo estão por trás dos quadros de depressão.
 
— Temos cada vez menos recursos e a tendência é piorar. Os professores estão desistindo das salas de aula e os números mostram isso. Essa desistência já começa na faculdade. Poucos concluem o curso — diz.
 
Para o secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares da Silva, a estrutura das escolas “é um desafio para todos”. Ele defende investimentos em políticas de valorização do professor e diz que o governo faz sua parte ao manter o orçamento do MEC longe de cortes:
 
— Tivemos um reajuste acima da inflação, mas é preciso ter mais políticas de valorização dos professores nas redes. Os gestores locais precisam se conectar mais com a comunidade e detectar os problemas que estão afetando a todos, saber o que acontece quando um profissional falta demais, por exemplo. E é preciso mais treinamento para os professores enfrentarem casos como esses de agressão.
 
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