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Qui, 06 de Dezembro 2018 - 14:51

Como o novo currículo do ensino médio diluiu as disciplinas

Por: Jornal Nexo - 05.12 - Estêvão Bertoni

 
 
Texto aprovado ainda precisa ser homologado pelo Ministério da Educação. Apenas língua portuguesa e matemática serão obrigatórias nos três anos
 
A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio, que orienta o que as escolas públicas e particulares devem ensinar a alunos de 15 a 17 anos, foi aprovada nesta terça-feira (4), pelo CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão que assessora o Ministério da Educação. Para vigorar, o documento ainda precisa ser homologado pelo ministro Rossieli Soares, o que deve acontecer em 14 de dezembro de 2018.
 
A aprovação acontece um ano depois da homologação da base curricular dos ensinos infantil (de zero a cinco anos) e fundamental (de seis a 14) e mais de dois anos após o presidente Michel Temer apresentar, em setembro de 2016, uma proposta de reforma do ensino médio por meio de uma medida provisória (ela foi sancionada em fevereiro de 2017).
 
O ensino médio é considerado o grande gargalo da educação no país. Segundo dados do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de 2017, apenas 5% dos estudantes do terceiro ano dessa etapa possuem aprendizado adequado em português. Em matemática, a taxa chega a 7%.
 
O que é a base curricular#
O documento aprovado, ainda em revisão, possui 96 páginas. Após sua homologação, haverá um prazo de dois anos para que as escolas se adaptem e para que seja finalmente implementado.
 
Ele não é o currículo em si, ou seja, não define quais conteúdos devem ser dados em cada ano. Determina apenas as habilidades e competências que serão exigidas.
 
Uma versão já havia sido entregue em abril de 2018, quando o conselho anunciou uma série de audiências públicas para discutir e aprimorar o texto. Em junho, um encontro em São Paulo foi cancelado, após protestos. A Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) afirmou que o evento era uma farsa e que as decisões foram incluídas no documento de forma autoritária.
 
A flexibilidade#
A base prevê uma flexibilidade na nova estrutura do ensino médio. O currículo, hoje dividido em 13 disciplinas obrigatórias, vai ser composto por duas cargas horárias.
 
De um lado, terá uma base comum (que ocupará 1.800 horas, ou 60% de todo o período do ensino médio).
 
Apenas língua portuguesa e matemática serão obrigatórias nos três anos. Disciplinas tradicionais como física, geografia e história serão diluídas e ensinadas em grandes áreas de conhecimento, como ciências humanas e da natureza, de forma interdisciplinar. Elas poderão se concentrar num único ano, em dois ou em três, dependendo de como a escola decidir organizar o conteúdo.
 
Por outro lado, o currículo terá os itinerários formativos, para o restante dos 40% do tempo (ou 1.200 horas), nas seguintes áreas:
 
Linguagens e suas tecnologias
Matemática e suas tecnologias
Ciências da natureza e suas tecnologias
Ciências humanas e sociais aplicadas
Formação técnica e profissional
 
Os sistemas de ensino, as redes e as escolas ficarão responsáveis por definir seus currículos e propostas pedagógicas. Cada escola deve oferecer, no mínimo, dois itinerários.
 
O ministério ainda vai elaborar um documento para orientar esses itinerários formativos, num prazo de 90 dias. Por isso, o processo só deverá ser concluído no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que assume em janeiro de 2019.
 
A diluição das disciplinas#
O documento aprovado defende "romper com a centralidade das disciplinas nos currículos e substituí-las por aspectos mais globalizadores e que abranjam a complexidade das relações existentes entre os ramos da ciência no mundo real".
 
O texto lembra que a nova organização "não exclui necessariamente as disciplinas, com suas especificidades e saberes próprios historicamente construídos, mas, sim, implica o fortalecimento das relações entre elas e a sua contextualização".
 
Ao G1, o presidente da comissão da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) no Conselho Nacional de Educação, Eduardo Deschamps, disse que "o trabalho com o estudante do ensino médio não será mais aplicado em disciplinas, mas sim na resolução de problemas".
 
"Em vez de estudar especificamente uma disciplina de física ou química, eu posso tratar de um problema de matemática e meio ambiente, aplicar os conhecimentos conjugados. A organização [curricular] deixa de ser estanque e passa a ser mais focada no cotidiano", afirmou.
 
As críticas ao modelo#
Há problema na forma como o currículo está sendo organizado, de acordo com especialistas. 
 
Membro do CNE, Francisco Soares, que é ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), se absteve de votar o texto (o projeto foi aprovado por 18 votos e contou com duas abstenções).
 
Ao jornal O Globo, ele disse que não houve uma definição clara sobre as disciplinas. "Neste momento, estamos deixando (para trás) uma estrutura essencial, que é a das disciplinas. Elas são necessárias. Elas são a ferragem da estrutura do sistema pedagógico. Por isso, fui contra. As escolas não sabem como se organizar, pois elas não sabem como os itinerários serão feitos", disse.
 
Em junho de 2018, ao renunciar à presidência da comissão que analisava a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, o educador César Callegari escreveu uma carta aberta em que dizia que, "ao abandonar a atenção aos domínios conceituais próprios das diferentes disciplinas", a proposta dificultava "uma visão interdisciplinar e contextualizada do mundo" e poderia levar à formação de uma "geração de jovens pouco qualificados, acríticos, manipuláveis, incapazes de criar e condenados aos trabalhos mais simples e entediantes".
 
Para ele, "estabelecer relações e pensar sobre os conteúdos de forma crítica e criativa" só é possível com "referenciais teóricos e conceituais". Callegari criticou ainda a limitação da base comum para 60% do tempo, o que, segundo ele, reduz direitos de aprendizagem.
 
"O que vai ficar de fora? Quanto de língua portuguesa, de biologia, de filosofia, de matemática, química, história, geografia, física, arte, sociologia, língua estrangeira, educação física? Quantos conhecimentos serão excluídos do campo dos direitos e obrigações e abandonados no terreno das incertezas, dependendo de condições, em geral precárias, e das vontades por vezes poucas?", questiona em sua carta.
 
A articulação entre os conteúdos#
Como estratégia para conectar as diferentes áreas de conhecimento nos itinerários, o documento aprovado sugere a realização de algumas atividades como laboratórios, oficinas, clubes, observatórios, incubadoras, núcleos de estudos e núcleos de criação artística.
 
Segundo o texto, a oferta de diferentes itinerários formativos pelas escolas deve considerar "a realidade local, os anseios da comunidade escolar e os recursos físicos, materiais e humanos das redes e instituições escolares".
 
O impacto no Enem#
Usado para avaliar a qualidade do ensino médio no Brasil, o Enem também deverá passar por uma reformulação para se adaptar à nova base. Segundo o Ministério da Educação, o segundo dia de exame irá avaliar conteúdos específicos ensinados nos itinerários formativos. Essa mudança ocorreria apenas em 2021.
 
"Podemos fazer uma prova integrada, ainda que não saibamos ao certo quantos itens farão parte do teste. E, em um segundo momento, elaboraremos uma prova específica, de acordo com a orientação dos itinerários. Temos que fazer um ajuste do que avaliamos no Enem. Nossa ideia é fazer uma segunda etapa diferente. Podemos inovar, com itens com respostas construídas pelos alunos. Mas a Redação será parte da primeira prova", afirmou Maria Inês Fini, diretora do Inep, em entrevista ao jornal O Globo, em novembro de 2018.
 
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