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Qui, 01 de Novembro 2018 - 16:31

"Retrocesso de 130 anos", afirma professor sobre projeto de lei "Escola sem Partido"

Por: Victor Calcagno - O Globo - 31.10

 
 
Medida seria votada nesta quarta-feira em comissão especial da Câmara, mas sessão foi adiada após impasse provocado por manifestantes
 
No dia em que o projeto de lei conhecido como "Escola sem Partido" seria colocado em votação em comissão especial da Câmara dos Deputados, educadores e especialistas mantêm opiniões conflitantes sobre o futuro da legislação, principalmente após as recentes mudanças que o texto original ganhou nesta terça-feira. O projeto, que anteriormente tinha o combate ao que classifica como "ideologia de gênero" e "preferências político-partidárias" direcionado a livros didáticos e paradidáticos, agora também deseja atingir os conteúdos curriculares e planos educacionais, em uma perspectiva mais abrangente. A votação acabou suspensa pouco depois do início, durante a tarde, após impasse provocado por manifestantes — a sessão deve ser retomada na semana que vem.
 
Para Salomão Ximenes, professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC, que se posiciona contra o projeto, a mudança no texto vem como uma ameaça ao que considera uma medida inconstitucional por natureza. Ele afirma que as alterações que miram os planos educacionais e se fundamentam, segundo o texto, na restrição de propaganda político-partidária dentro de sala de aula, na verdade, se baseiam em precedentes morais e religiosos que promovem uma espécie de "censura prévia".
 
— Essas mudanças de última hora representam uma outra estratégia: agora desejam ir mais fundo na concepção de educação. Este projeto mantém o cartaz (que deverá ser fixado nas salas de aula com os "deveres dos professores") e insere um princípio de precedentes familiares e religiosos calcados principalmente no catolicismo. Assim, o projeto confronta o conceito de laicidade do ensino público e estabelece uma censura prévia ao proibir alguns assuntos, como sexualidade e gênero, além da possibilidade de  o professor poder se posicionar politicamente, o que deve ser feito expondo os dois lados. A aprovação seria um retrocesso de 130 anos — afirma Ximenes. 
 
Segundo o professor, na prática, o projeto de lei permite que a conduta de professores em sala seja questionada com maior frequência quando o assunto é posicionamento político. O problema, no entanto, é que a proibição prévia dessa atitude ataca o preceito constitucional da liberdade de cátedra, segundo o qual os docentes têm o direito de ensinar livremente, ainda de acordo com Ximenes.
 
Além disso, alunos, pais e outros professores estariam livres para questionar condutas com base em preceitos religiosos e morais que não representam a pluralidade de pensamentos que a Constituição garante, critica o professor.
 
— O artigo 206 da Constituição de 1988 deixa muito clara a liberdade que os professores têm em sala de aula, garantindo a "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber", além do "pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas". Este projeto, proibindo que os professores possam expor sua posição política, está sendo inconstitucional, por isso acredito que a longo prazo essa proposta não passará — afirma.
 
Projeto é constitucional, segundo apoiador
 
Na manhã desta quarta-feira, o advogado Miguel Nagib se preparava para ir até o Congresso acompanhar a votação do projeto. Como um dos líderes do movimento "Escola sem Partido", que prega o fim do que considera doutrinação nas escolas, ele acredita que o texto será aprovado na comissão especial da Câmara que analisa a proposta, ainda que isso não acontecesse em definitivo nesta quarta-feira.
 
Afirmando que o texto que iria para a votação ainda "não atendia a todas as expectativas" do grupo, ele classificou as recentes mudanças no projeto feitas pelo relator Flavinho (PSC-SP) como positivas, no entanto, e reafirmou o caráter constitucional da medida.
 
— Acho que seria conveniente colocar no texto os princípios constitucionais que são usados para basear a proposta. Na verdade, o projeto do Escola Sem Partido jamais precisaria existir, porque já está na Constituição sua principal proposta: nenhum professor pode usar a sala de aula para doutrinação e promoção de ideais político partidários — lembrou Nagib, dizendo que a perseguição a alunos com pontos de vista conservadores pode ser regra em algumas instituições de ensino.
 
Mais como um ideal do que um grupo com representantes únicos, o Escola Sem Partido tem diversas propostas ao redor do país, nos âmbitos municipal e estadual. Em março deste ano, o grupo Professores Contra o Escola Sem Partido organizou um mapa on-line com todas as medidas legais semelhantes nesse aspecto da educação — o levantamento apontava 124 ações municipais e 25 estaduais, além de uma federal.
 
As medidas normalmente falam em "doutrinação", o que segundo Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco e especialista em Economia Social com foco em educação e desigualdade, é uma falácia.
 
— O diagnóstico do Escola Sem Partido é equivocado, assim como a medida que querem como "solução". A escola é lugar da pluralidade de ideias, não exatamente de preferências. É uma visão reducionista achar que proibir certos conteúdos possa ser uma saída. Me parece, na verdade, que o próprio projeto é, ele próprio, um instrumento de doutrinação, ao invés de combate a ela — disse Henriques.
 
Pouco depois da sessão ser suspensa em Brasília, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou que a atitude foi tomada como estratégia dos partidos críticos ao projeto, uma vez que a comissão que analisa a medida foi "montada e tomada por deputados que são a favor da lei, que têm maioria".
 
— Queremos que esse tema tenha mais tempo para discussão. As pessoas não sabem o que significa a tal escola sem partido — disse ele, que defende a discussão sobre identidade sexual nas escolas, um dos temas atacados por partidários do projeto.
 
Após um recurso apresentado por deputados contrários ao texto, mesmo que ele seja aprovado na comissão especial da Câmara, ainda poderá passar por apreciação no plenário da Casa, e só depois partir para o Senado.
 
Mesmo após as alterações no texto do projeto de lei, algumas perguntas ainda ficam em aberto. As principais seriam com relação ao cumprimento das regras, como quem fiscalizaria os professores, qual seria a punição aos que infringissem as regras e como saber o que é um conteúdo ideológico ou político-partidário.
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