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Qua, 05 de Dezembro 2018 - 16:24

Um "manual de defesa" contra o Escola sem Partido

Por: André Cabette Fábio - Jornal Nexo - 29.11

 
Documento é assinado por 60 ONGs e recomenda formas de professores lidarem com sanções propostas pelo movimento
 
O movimento Escola Sem Partido ainda não dispõe de uma lei federal, mas isso não tem impedido investidas contra professores em escolas pelo país. Diante do quadro, associações ligadas à área de educação lançaram na terça-feira (27) uma cartilha com dicas para docentes se resguardarem. Também cobraram uma posição definitiva do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
 
O Escola Sem Partido é um movimento que surgiu em 2004 contra o que chama de "doutrinação ideológica" em sala de aula. Em seu site, defende que essa suposta prática fere a lei nº 4.898 de 1965, que trata de abuso de autoridade. Isso, na interpretação do movimento, poderia levar à prisão dos professores.
 
O movimento também cita o artigo 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que versa sobre liberdade de consciência e religião, e prevê que: "os pais (...) têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções".
 
A interpretação defendida pelo grupo é de que esse direito envolveria inclusive vetar que visões não alinhadas às convicções religiosas e morais dos pais sejam apresentadas a seus filhos nos sistemas de ensino.
 
Críticos ao movimento avaliam que este trecho não trata da educação escolar, mas sim daquela do âmbito privado. Como argumento, citam um protocolo adicional à convenção, de 1988, que fala explicitamente sobre educação escolar e determina que ela se paute pelo respeito aos direitos humanos, pluralismo e tolerância.
 
Atualmente, um projeto de lei que incorpora ideias do movimento Escola Sem Partido vem sendo discutido em uma comissão especial da Câmara dos Deputados.
 
O texto é ainda mais radical. Chega a proibir o uso dos termos "gênero" e "orientação sexual" em sala de aula. A bancada evangélica comanda o trâmite da matéria, defendida por ela, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro e por seu ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez.
 
A defesa dos professores
 
Assinado por 60 entidades, incluindo a ONG Ação Educativa, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas tem apoio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ligada ao Ministério Público Federal. O documento afirma que o programa do Escola Sem Partido fere as seguintes garantias constitucionais:
 
O pleno desenvolvimento da pessoa
 
Seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber
O pluralismo de concepções pedagógicas
A valorização dos profissionais da educação escolar
O documento das associações cita casos de tentativas de sanção baseadas no programa do Escola Sem Partido, e fala como professores podem se contrapor a elas. Veja abaixo três exemplos:
 
Vereador e Semana de Gênero
 
O caso
 
Em outubro de 2016, o vereador Ricardo Nunes (MDB) enviou uma notificação à Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Desembargador Amorim Lima, em São Paulo, em que pedia a suspensão das atividades da "Semana de Gênero" programada no local. Ele afirmava que a iniciativa era "ilegal e arbitrária" e pedia "providências contundentes", "com responsabilização dos diretamente envolvidos", pelo fato de que discussões sobre gênero não haviam sido incluídas no Plano Municipal de Educação.
 
A dica
 
O Manual de Defesa das Escolas destaca que a não inclusão de determinado assunto na base curricular não significa que ele não pode ser abordado, e destaca que a abordagem de gênero nas escolas está prevista na Lei Maria da Penha. Ele recomenda que escolas que sejam notificadas por políticos adotem medidas que surtiram efeito no caso em São Paulo, como buscar repercussão na mídia e apoio junto a entidades não governamentais e à Secretaria Municipal de Educação.
 
E afirma que seria possível encaminhar uma representação ao Ministério Público contra o vereador pelos possíveis crimes de abuso de autoridade, constrangimento ilegal e ameaça. Ou pedir ao presidente da Câmara Municipal que apure se a prática é incompatível com o decoro parlamentar, "em função do abuso das prerrogativas fiscalizatórias dos vereadores".
 
Pressão da diretoria
 
O caso
 
O documento fala sobre uma situação em que a diretoria de uma escola teria chamado a atenção de uma professora por ter feito supostas "considerações sobre a ameaça aos direitos civis e políticos garantidos na Constituição de 1988, comparando o período atual com a ditadura militar". A diretoria afirmou que a professora estaria "politizando" as aulas e que já havia recebido reclamação de pais, e pediu que evitasse temas polêmicos.
 
A dica
 
O documento afirma que "a docente só pode ser responsabilizada por conduta que viole suas obrigações profissionais específicas, nunca por mobilizar interpretações" diferentes daquelas dos superiores. E recomenda encontrar aliados na comunidade escolar, o sindicato da categoria e dar publicidade ao problema. Se houver procedimento administrativo, recomenda a defesa escrita.
 
Notificação extrajudicial
 
O caso
 
Uma das medidas desenvolvidas pelo Escola Sem Partido foi criar e divulgar um modelo de notificação extrajudicial contra professores que supostamente pratiquem "doutrinação ideológica", que seria punível com responsabilização por abuso de autoridade e processo por danos morais. Segundo o Manual de Defesa das Escolas, esse tipo de notificação não tem efeito legal, mas "causa muito medo" aos profissionais de educação.
 
A dica
 
O documento recomenda mobilizar aliados na comunidade escolar, entregar uma cópia autenticada da notificação à instituição de ensino e envolver o sindicato da categoria. Mas afirma que "não é necessário responder ou contranotificar qualquer pessoa", porque avalia que o documento tem um efeito apenas intimidatório.
 
Apelo ao Supremo Tribunal Federal
 
O documento de defesa dos professores também faz um apelo ao Supremo para que confirme uma decisão tomada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relativa a um dos principais projetos de lei alinhados com o Escola Sem Partido já aprovados no âmbito estadual.
 
Trata-se de um caso que teve início em 2015, quando o estado de Alagoas se tornou o primeiro a aprovar uma lei inspirada no movimento.
 
Apresentado pelo deputado Ricardo Nezinho (MDB), o projeto, intitulado Escola Livre, afirma que professores e autores de livros didáticos vinham buscando "obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes ideológicas".
 
Isso incluiria fazer com que adotassem condutas morais, "especialmente moral e sexual" que seriam "incompatíveis com o que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis".
 
A lei foi vetada pelo governador Renan Filho (MDB), que alegou inconstitucionalidade, mas o veto foi derrubado em votação da Assembleia Alagoana no ano seguinte.
 
O dispositivo foi questionado por meio de ações diretas de inconstitucionalidade. A AGU (Advocacia-Geral da União) e Ministério Público Federal enviaram pareceres sobre a lei em que avaliam que ela é inconstitucional.
 
O dispositivo foi suspenso em 2017 por decisão de Barroso, relator do processo. Ele avaliou que "os pais não podem pretender limitar o universo informacional de seus filhos ou impor à escola que não veicule qualquer conteúdo com o qual não estejam de acordo".
 
Ainda é necessário, no entanto, que o plenário composto pelos 11 ministros vote e chegue a uma decisão definitiva, de acordo ou contrária àquela de Barroso.
 
Apesar de valer apenas para esse projeto específico, a decisão sinalizaria a postura do Supremo para a mais de uma centena de projetos de leis alinhados ao Escola Sem Partido nos âmbitos municipal, estadual e federal no país. O tema está na pauta da corte, mas ainda não há data para o seu julgamento.
 
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