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Qua, 08 de Novembro 2023 - 16:11

Metodologias ativas a favor da Educação Antirracista

Veja como trabalhar valores civilizatórios afro-brasileiros por meio de práticas que colocam o aluno no centro do processo de ensino e aprendizagem

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Professora, professor, pensem no seu dia a dia, vejam se essa realidade é a sua ou se um dia já foi: uma sala de aula com dimensão espacial quadrada ou retangular, em que há uma mesa para o profissional da educação, cadeiras enfileiradas e um quadro para escrever. O professor, à frente, explicando e os estudantes ouvindo à aula. É assim por aí ou já esteve em um ambiente parecido? Descrevemos aqui um espaço físico reconhecidamente escolar. Contudo, será que é o modelo que mais favorece a interação, inovação, ressignificação e diálogos que envolvem os estudantes na dinâmica do ensino-aprendizagem? 

Para que isso aconteça, acredito ser necessário colocarmos a educação centralizada no estudante, sendo esse cobrado a pensar de forma coletiva as propostas sugeridas pelo professor. Não seria uma mudança positiva para todo o processo de educação se a aprendizagem superasse a mera técnica de memorização e trabalhasse a conscientização daquilo que se aprende? 

Então, professor, pense em sua sala de aula como espaço de construção coletiva entre profissionais da educação - mediadores  do conhecimento - e estudantes, colaboradores ativos no processo do conhecer e transformar, pois é na escola que podemos dar o start na costura entre conceitos, teorias e a realidade prática da vida, tornando esse local um lugar em que, ao discutirmos a realidade ou situações-problemas, acentuamos o interesse pelo processo do aprender, tendo, mais uma vez repito, o estudante como centro de todo o processo.

Os métodos tradicionais de ensino privilegiam a transmissão de conteúdos e avaliações padronizadas e homogêneas. Nessa lógica, as avaliações impedem a diversidade de possibilidades do professor observar como a aprendizagem de fato ocorreu. Sendo assim, devemos pensar que, para um público diverso, precisamos superar bases métricas que homogenizam e hierarquizam os processos e contemplem mais a proatividade e a colaboração discente. 

Entretanto, os métodos tradicionais, ao centralizarem-se na figura do professor, catalisam a inibição dos alunos na hora de participar muito mais do que o diálogo. E podemos pensar aqui duas cenas possíveis de se observar: na primeira, os alunos ficam em silêncio ouvindo os conteúdos transmitidos. Já na segunda, falam sobre outros assuntos que nada têm a ver com a aula, como uma fuga daquilo que não é interessante aprender. Como hipótese para essas situações, podemos pensar que os estudantes podem se sentir incapazes de dialogar com o professor, figura que, nessa lógica, “sabe tudo” ou traz assuntos que não dialogam com as suas vidas.

No entanto, nossa intenção com essa coluna é refletir sobre a Educação para as Relações Étnico-raciais (ERER). Por isso, para auxiliar nessa questão, proponho  o uso das metodologias ativas em diálogo como os valores civilizatórios afro-brasileiros para nos ajudar a pensar propostas mais coletivas e que promovam a responsabilidade de todos no processo de ensino da aprendizagem antirracista. E nisso, a própria cultura afro-brasileira pode ajudar.

Como utilizar metodologias ativas na Educação Antirracista?

Primeiramente, é importante entender o conceito de metodologias ativas, que são um conjunto de abordagens educacionais cujo objetivo é colocar o aluno como protagonista em seu processo de aprendizagem. Nesse caso, o aluno ocupa o centro das ações e o conhecimento é construído de forma colaborativa, possibilitando a aquisição de saberes por investigação ou resolução de problemas.

Observe o gráfico abaixo que demonstra a aquisição de saberes, conforme a teoria de William Glasser. Veja como a aprendizagem é mais significativa quando ocorre a interação entre os sujeitos participantes do processo.  Portanto, as metodologias ativas são práticas capazes de possibilitar ao professor criar situações que ajudem os alunos não só a pensar, mas a tomar consciência do que está sendo aprendido, por que se aprende e para que se aprende, levando ao desenvolvimento de uma consciência crítica da realidade na qual se está inserido.

Aqui, podemos destacar alguns pontos que são importantes para a reflexão, no que diz respeito às relações étnico-raciais:

  • Proporcionar consciência política e histórica da diversidade.  
  • Fortalecer identidades e direitos.
  • Promover ações educativas de combate ao racismo e a discriminações.

Para tudo isso, nós, professoras e professores, podemos utilizar como estratégia em sala de aula os valores civilizatórios afro-brasileiros: circularidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, cooperativismo, oralidade, energia vital e ludicidade, para aproximar os alunos dos elementos culturais constitutivos dos afro-brasileiros, evidenciando o quanto esses valores estão presentes na nossa sociedade.

A intelectual negra Azoilda Loretto da Trindade nos conta que os valores civilizatórios afro-brasileiros são princípios e normas que corporificam um conjunto de aspectos e características existenciais, espirituais, intelectuais e materiais, objetivas e subjetivas, que se constituíram e se constituem em um processo histórico, social e cultural de um povo. 

Abordando esses valores, ajudamos nossos alunos no entendimento e reflexão a respeito das diferentes formas de como os afro-brasileiros contribuíram em diferentes campos, como nas ciências, literaturas, campo musical, filosófico e tantos outros.

Valores civilizatórios afro-brasileiros e metodologias ativas

 

Ao se tratar dos valores civilizatórios afro-brasileiros, a possibilidade que o professor terá é de resgatar as raízes históricas e culturais dos descendentes dos povos africanos no Brasil. Por outro lado, cria-se espaço de reconhecimento e consequentemente de conscientização dos alunos a respeito das origens afro-brasileiras no ambiente escolar, enriquecendo e ampliando o conhecimento sobre a diversidade racial brasileira. Para isso, trago algumas sugestões.

Axé ou energia vital

Esse princípio nos diz que tudo que é vivo e que existe tem axé, tem energia vital. Planta, água, pedra, gente, bicho, ar, tempo, tudo é sagrado e está em interação. Mas como trabalhar a potencialização desse princípio na escola? 

Professor, pense em estratégias que envolvam o cuidado ou o autocuidado. Aposte em aulas dialógicas, conceda elogios, pois esse princípio possibilita falar do cuidado de si e do cuidado com o outro, ou seja, é possível trabalhar a empatia, pois em contextos em que a problemática do racismo aparece, falta-nos a empatia com aquele que sofre ações racistas. 

Portanto, ensinar crianças negras a se admirarem, por exemplo, é possibilitar a construção da diversidade sobre a beleza humana, superando a padronização hegemônica da beleza ocidental que criou a ideia de que a única estética bonita ou bela é a dos grupos raciais brancos.  

Metodologia ativa: pesquisa e observação

Fazer uma pesquisa possibilita engajamento prático na capacidade de raciocinar de forma mais assertiva. Por isso, sugiro a seguinte atividade:

1. Professor, pense em uma proposta de aula em que as crianças pesquisem diferentes perfis humanos parecidos com suas estéticas e configurações fenotípicas.

2. Depois, deixe que elas se vejam diante de um espelho. A ideia é que elas possam se admirar e reconhecer suas especificidades estéticas.

3. Permita que elas se olhem e sejam olhadas com carinho e respeito, por isso os elogios dos professores nesse processo fazem toda a diferença.

4. Posteriormente, peça para que elas identifiquem suas características em um desenho sobre seu rosto. É importante que elas venham a caracterizar a cor da pele, o formato do cabelo, nariz, boca, olhos. Enquanto elas fazem o desenho de sua composição fenotípica é importante que os professores enalteçam as qualidades, os valores de cada perfil desenhado e garantam um ambiente seguro e acolhedor.

Oralidade

Esse princípio nos diz que a nossa fala é carregada de sentido, de marcas de nossa existência. No caso, em particular, da existência afro-brasileira.

Como trabalhar a potencialização desse princípio? Professor, pense em estratégias que envolvam o entusiasmo da fala, do protagonismo de seus alunos ao contar histórias e fatos.

Metodologia ativa: storytelling (contação de histórias)

1. A professora ou professor deve apresentar a boneca contadora de histórias (sugestão: leve uma boneca negra). Deixe as crianças darem um nome à ela.

2. A intenção dessa atividade é proporcionar a contação de histórias do continente africano. A cada aula, a boneca contará uma história ou exemplo cultural sobre povos africanos despertando o conhecimento e a diversidade cultural.

3. Cada criança leva a boneca contadora de histórias para casa. O objetivo é que a criança conte a história que aprendeu naquele dia de aula para a família. O objetivo é explorar a construção de narrativas, posicionamento e argumentação pela criança, estimulado o diálogo em família.

 

Circularidade 

 

O que esse princípio nos diz é que a roda é um valor civilizatório afrobrasileiro (e também dos povos originários), pois aponta para o movimento, a renovação, o processo, a coletividade: roda de samba, de capoeira, as histórias ao redor da fogueira... Para isso, pense em estratégias que envolvam o estar junto em roda, em equipes de trabalho, em conjunto...

Metodologia ativa: Narrativas por meio de criação argumentativa

1. Apresente um estudo de caso sobre a problemática racial.

2. Para que os alunos possam se sentir participantes da aula, pergunte se alguém já ouviu falar desse caso em que houve o problema do racismo, ou se conhecem outros casos.

3. Essa aula é totalmente dialógica. Para isso, permita momentos para dúvidas, falar de si, comparar com algo que faz sentido com o que está sendo exposto.

Observe se haverá interesse pelo tema, caso não haja, é importante conduzir falas que provoquem a empatia e a solidariedade com os grupos que sofrem racismo. É importante que a construção da empatia seja orientada pela professora ou professor por meio de dados estatísticos que demonstrem o racismo em nosso país.

Permita que seus alunos e alunas sejam compartilhadores de saberes, de memórias, desejos e fazeres por meio da fala. Potencialize a expressão: “Fale, menino. Fale, menina”.

Corporeidade

O que esse princípio nos diz é que povos que foram arrancados da África e trazidos para o Brasil só com o próprio corpo, aprenderam a valorizá-lo como um patrimônio muito importante. Nesse sentido, como educadores e educadoras, precisamos valorizar nossos corpos e os corpos dos nossos alunos não como algo narcísico, mas como possibilidade de trocas e de encontros. Valorizar os nossos corpos e os de nossas crianças como possibilidades de construções, produções de saberes e conhecimentos coletivizados e compartilhados.

Por isso, caro colega, pense em estratégias que envolvam reflexões ou atenção ao corpo.

Metodologia ativa: cultura maker

Por meio da observação da diversidade entre os corpos, sugiro a seguinte atividade para compreender o cuidar.

1. Professor, separe a turma em duplas e peça aos alunos para se organizarem entre dois tipos de participantes: um aluno será o desenhista e o outro, o modelo a ser desenhado. O modelo deita no chão e o desenhista, com um giz, desenha o contorno do corpo.

2. Depois que o desenho do corpo for feito, os alunos podem destacar as características como cabelo, olhos, boca, caso sejam da Educação Infantil. Se forem dos Anos Iniciais, podem escrever ou desenhar as estruturas dos órgãos, por exemplo. Em ambos os casos, podem e devem abordar os cuidados com a saúde do corpo.

3. Para as turmas dos Anos Finais, pode ser feito um trabalho de investigação sobre tons de pele e entendendo que a cor da pele não define comportamento e caráter de alguém. Depois, o professor pode pedir para que cada estudante reproduza em uma folha de papel A4 a tonalidade da sua pele. É importante que tenha lápis de cor específico para as variadas tonalidades de cores e que, depois, se exponha em um mural as cores com os nomes dos alunos.

Musicalidade

O que esse princípio nos diz é que a música é um dos aspectos afro-brasileiros mais emblemáticos. Um povo que não vive sem dançar, sem cantar e sem sorrir, e tais ações contribuem para o que constitui a brasilidade com a marca do gosto pelo som, pelo batuque, pela música e pela dança.

Assim, pense em estratégias que envolvam ouvir músicas afro-brasileiras que desenvolvam nossos sentidos e percepções dos sons e instrumentos de matriz afro-brasileira. Nosso país é riquíssimo em ritmos musicais e em danças, que tal investirmos nesse caminho? 

Metodologia ativa: cultura maker

Sugiro uma prática a partir do “faça você mesmo”, na qual todos podem construir e encontrar as soluções ideais para os desafios apresentados.

1. Proponha pesquisas sobre instrumentos musicais afro-brasileiros em um primeiro momento para, depois, propor a confecção desses instrumentos com materiais reciclados.

Ludicidade

Esse princípio fala da alegria, do gosto pelo riso, pela diversão e da celebração da vida. Dessa forma, pense em estratégias que envolvam jogos, pois eles ajudam a desenvolver atenção, disciplina, autocontrole, respeito às regras e habilidades perceptivas e motoras, podendo incentivar a imaginação, a percepção, concentração e raciocínio.

Metodologia ativa: gamificação

Esse método consiste na utilização de conceitos, estratégias, dinâmicas e ferramentas geralmente utilizadas em jogos em um novo contexto de não-jogo. No caso da gamificação na educação, esses mecanismos são utilizados para motivar o aprendizado e estimular a solução de problemas. Aqui trago uma brincadeira angolana chamada de Garrafinha.

1. Essa brincadeira é realizada por dois grupos de três a oito pessoas cada um.

2. No centro do espaço para o jogo (pode ser uma quadra, ou qualquer outro espaço livre), uma equipe enche e esvazia garrafinhas com areia. Enquanto isso, a outra equipe arremessa uma bolinha, tentando atingir as pessoas do centro. A dinâmica lembra o jogo de queimada.

3. Quando acertam alguém, as equipes trocam de lugar.

4. O objetivo não é ganhar ou perder, e sim, se divertir.

Para o Ensino Fundamental, é possível pensar nessa ou em outras brincadeiras. Já para o Ensino Médio, sugiro jogos de perguntas e respostas, como um Quiz.


Veja, caro colega, quantas possibilidades para trabalharmos os valores civilizatórios por meio das metodologias ativas! Como pudemos observar, o uso dessas estratégias com objetivo de trabalhar a ERER pode nos auxiliar a desenvolver o protagonismo dos estudantes diante de situações que envolvam questões raciais, pois o aluno é colocado no centro da aprendizagem sendo estimulado a agir diante dos desafios. Como em nosso caso abordamos uma aprendizagem antirracista, as metodologias ativas possibilitam ao aluno ter também um lugar de responsabilidade nessa luta.

 

Jornalismo – REVISTA NOVA ESCOLA

Lavini Castro é educadora antirracista. Doutoranda em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ. Mestre em Relações Étnico-Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ. Historiadora pela UFRJ. Professora de História do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes pública e particular do estado do Rio de Janeiro. Idealizadora e coordenadora da Rede de Professores Antirracistas. Ganhadora do Prêmio Sim à Igualdade Racial do ID_BR em 2021.

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