APEOESP - Logotipo
Sindicato dos Professores

FILIADO À CNTE E CUT

Banner de acesso ao Diário Oficial

NOTÍCIAS

Voltar

Qua, 21 de Dezembro 2011 - 19:02

Só com amor à camisa

No país da Copa, 70% das escolas não têm quadra, professor sua por um equipamento e Educação Física não tem espaço na formação de crianças e adolescentes

Por: Cida de Oliveira - Revista do Brasil - nº 66 dezembro/2011

Numa das mais belas ilhas do litoral brasileiro, a de Itaparica, na Bahia, eles treinam arremesso de coco. “O movimento e a postura corporal são idênticos aos do lançamento de pelota”, explica o educador físico Virgílio Leiro, referindo-se a uma modalidade para a qual seus alunos com deficiência treinam. Muitos deles já ganharam medalhas em paraolimpíadas escolares e, entusiasmado, Virgílio não mede esforços para ir toda semana de Salvador ao município de Vera Cruz, na ilha, onde a natureza é sua parceira para vencer a falta de espaço e de materiais adequados na escola.

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia, que representa professores estaduais e das prefeituras, a situação é pior nos estabelecimentos mantidos pelos municípios. A maioria dessas escolas não tem espaço apropriado, aulas são dadas em terrenos, ruas e praças, e muitas vezes por professores sem formação na área.

Histórias de amor à camisa como a dos professores baianos são muito comuns em todo o país. Segundo o Censo Escolar 2010, do Ministério da Educação, 72% das escolas de 1ª a 4ª série e 44% das que atendem da 5ª em diante não têm local para aulas de Educação Física. O quadro, que inclui as particulares, é agravado pela carência de cobertura, piso adequado, marcações, bolas, redes, cordas, bastões, traves, colchonetes e demais equipamentos essenciais para as aulas.

“Quando falta dinheiro na construção da escola, a primeira coisa que se corta é a quadra”, aponta Ricardo Catunda, presidente da Comissão de Educação Física Escolar do Conselho Federal de Educação Física (Confef). “Mesmo vista como desnecessária, a disciplina é fundamental na formação do indivíduo, dos valores, da ética, da qualidade de vida. O ser humano tem de ter o pleno domínio de seu corpo. Como não tem, vivemos hoje distúrbios de toda ordem, a questão da imagem corporal na adolescência, do padrão estético. A escola não deveria tratar isso? Ou bastam Matemática e Língua Portuguesa para formar o indivíduo?”

Conforme o Censo, a situação é pior no Norte e Nordeste. No Acre, há quadras em 5% das escolas estaduais de 1ª a 4ª série e em 20% daquelas que atendem a partir da 5ª. Nas municipais, a situação  também é ruim. “É preciso abusar da criatividade, senão os alunos ficam sem jogos e brincadeiras”, afirma Luciano Santos de Farias, diretor da Escola Municipal Mestre Irineu Serra, que fica entre a zona urbana e rural de Rio Branco. “Algumas atividades são dadas dentro da sala de aula mesmo.” O terreno até tem espaço para abrigar uma quadra e um parquinho. Os recursos é que não chegaram. “Estamos na fila de espera da Secretaria de Educação, cuja política muda conforme a nova administração municipal”, diz Farias, cujo consolo é saber que a situação de sua escola não é a pior.

Em Pernambuco, professores e alunos reformam redes velhas, inclusive de pesca, para cestas de basquete, traves de futebol e jogos de vôlei. “É comum usarmos bolas de meia, professores fazerem vaquinha para comprar material ou, até, trazerem emprestado de escolas particulares onde também lecionam”, relata a professora Ana Virgínia Lima Henriques, do sindicato dos professores no estado, o Sintepe. No Maranhão, menos de 3% das escolas municipais de 1ª a 4ª e de 23% das estaduais contam com quadra. Diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Maranhão, o professor Alexandre Muniz contesta o Censo. “Em 90% dos estabelecimentos mantidos pelo Estado não tem nem o cimentadão. E, quando há, faltam cobertura e o resto”, afirma. “É impossível dar aula sob o sol quente. Sofrem o professor e o aluno, sobretudo o mais pobre, mal alimentado, que precisa caminhar demais para ir à escola.”

Nas competições escolares, conforme Muniz, oito em cada dez dos que se destacam são da rede particular. “Como a Educação Física geralmente é dada em horário complementar, o professor tem de fazer malabarismos para atrair o aluno. Uma pena, já que além de tudo é uma alternativa para tirar o jovem da violência para uma vida melhor.” Em sua opinião, a ausência de um projeto para a disciplina explica os minguados recursos para compra de materiais. “O jeito é levar a bola de casa, fazer bastões com cabo de vassoura, improvisar bambolês”, diz.

Ricos e omissos

Em Minas, 96% das escolas estaduais de 1ª a 4ª e 51% das de 5ª em diante não dispõem de espaço adequado para Educação Física. Nesta escola no município de Arcos, crianças brincam em local esburacado

Nos estados mais ricos, a situação também não é boa. Embora haja quadra em praticamente todas as escolas mantidas pelo maior município do país, o Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo informa que nem sempre têm cobertura, piso em boas condições, marcações, traves, cestos de basquete, equipamentos para vôlei e outros materiais.

Em Minas Gerais, Fernando Magela, professor há sete anos da Escola Estadual Yolanda Jovino Vaz, no município de Arcos, diz ter usado apenas os materiais que ele próprio comprou em nome da escola. “E o que temos é um pátio descoberto, esburacado, onde muitas crianças já caíram e se machucaram.” O quadro é semelhante em outras escolas estaduais em que trabalha. “Na Vila Boa Vista, por exemplo, os alunos vão a um campo distante para ter aula de Educação Física. Mas todo o tempo é gasto para ir e voltar.” A Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais reconhece o problema. O subsecretário de administração do sistema educacional, Leonardo Petrus, argumenta que muitas escolas são antigas, construídas em terrenos acidentados, mas o estado tem investido para equipá-las. “Para evitar prejuízos aos alunos, são feitos convênios com prefeituras para uso de espaços nas imediações”, afirma.

Em São Paulo, 20% das unidades estaduais que atendem as quatro séries iniciais não têm infraestrutura adequada. “A escola não é ruim, não falta professor. Pena não ter espaço para as crianças”, afirma a dona de casa Juraci de Jesus dos Santos, com três netos matriculados na Escola Estadual Parque Novo Santo Amaro II, no Jardim Ângela, na zona sul. Como ela conta, há aulas de Educação Física porque em alguns dias eles têm de ir com roupa apropriada. “Mas não sei como a professora faz num lugar tão apertado.” Para os moradores, que enfrentam também a escassez de vagas para todas as séries nas imediações, a solução seria construir quadras em terrenos da prefeitura ao lado dos estabelecimentos.

Temerosos da política de retaliações do governo estadual, muitos professores aceitam dar entrevista sem se identificar – inclusive aqueles ligados a entidades sindicais. Um deles conta que há escolas em que os alunos têm de atravessar vielas para a aula de Educação Física. Em outras, é comum professor comprar materiais com dinheiro do próprio bolso. E há aquelas em que salas de aulas improvisadas são construídas sobre as quadras. “Quando eu lecionava numa escola estadual, em 2006, praticamente não tínhamos material”, lembra Lia Polegatto Castelan, pesquisadora da Faculdade de Educação Física da Unicamp. “Quando sobrava alguma bola de um programa de esporte e lazer no fim de semana, a diretora deixava usar.”

Para o governo de São Paulo, no entanto, a questão não parece ser relevante. “Os professores não precisam necessariamente estar no ambiente de uma quadra poliesportiva para que o conteúdo de Educação Física seja contemplado. Além das aulas teóricas ministradas em sala de aula, o professor pode levar o aluno a praticar diversas atividades físicas e perceptivas ao redor da escola”, argumenta em nota divulgada pela assessoria. Segundo o texto, o governo está investindo R$ 217,6 milhões na construção de quadras de esportes em 101 escolas e na reforma de 700.

Como desenvolver atletas

Em setembro, o Ministério da Educação lançou um programa de repasse de recursos para a construção de 6.116 quadras esportivas e cobertura de 5.000 já existentes, até 2014. Em 2011, foi aprovada a construção de 750 quadras em escolas municipais de todo o Brasil. 

Foram selecionadas unidades com mais de 500 alunos matriculados na educação básica que declararam no Censo Escolar 2010 não possuir tais espaços. Como o país tem 28.356 escolas municipais, a questão está longe de ser resolvida.

A falta de infraestrutura não é o único problema da Educação Física escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, inclui a disciplina entre os componentes curriculares obrigatórios do ensino básico. Como tal, deve permanecer na grade de aulas e acessível a todos os alunos. Em muitas localidades, porém, ainda é dada em horário alternativo, como se fosse uma atividade complementar. Assim, atrai poucos alunos, prejudica os que trabalham e os mais pobres, que não têm condições de se deslocar fora do horário regular das aulas. “É atribuição da escola democratizar o acesso ao esporte e às demais práticas corporais de forma inclusiva e crítica”, ressalta Lia Castelan.

Outro aspecto, segundo ela, é que os professores da disciplina, em geral, seguem o modelo excludente de um treino de alto rendimento. “Os mais habilidosos são mais bem acolhidos na aula. Os tidos como menos habilidosos são por vezes humilhados. Justamente o que não se espera de um ambiente de aprendizagem de uma linguagem corporal.” Ela aponta ainda, com base na própria experiência escolar, um equívoco que se tornou comum na disciplina: trabalhar apenas o conteúdo esporte, e de forma descontextualizada, tratando-o como uma sequência de fundamentos motores e de regras imutáveis, desprezando os outros conhecimentos da área.

Embora a formação de atletas não deva ser o propósito da Educação Física escolar, a disciplina tem papel importante no seu desenvolvimento. É a partir dos 12 anos, princípio da adolescência, que o corpo está pleno para os movimentos estruturados exigidos pelas modalidades esportivas. Mas isso depende de uma preparação prévia.

“Por meio de atividades lúdicas, prazerosas, harmoniosas, que nada têm a ver com a rotina de treinamento, a Educação Física contribui para alicerçar uma cultura do esporte”, explica Ricardo Catunda, do Conselho Federal de Educação Física. Para ele, isso se torna muito difícil numa escola decadente, desestruturada, sem programa de governo, com pouquíssimas aulas semanais. “Como desenvolver atletas se na infância a criança não teve contato com as modalidades esportivas, não aprendeu a lidar com seu corpo, a ganhar e a perder?”, questiona Ricardo. “Não é possível conviver com uma situação em que atletas como Daiane dos Santos sejam descobertas por acaso, brincando na praça. Imagine quantos campeões estamos desperdiçando com nossa população multirracial, com biótipo para vencer em qualquer modalidade.”

O professor Roberto Simões, da rede estadual e municipal do Rio, vai além. “Centros construídos no Rio, com dinheiro público, para os Jogos Pan-Americanos são subutilizados. O conjunto aquático Maria Lenk, em Jacarepaguá, na zona oeste, está fechado aos alunos de comunidades pobres onde falta tudo”, aponta. Para ele, pouco adianta o propalado legado de infraestrutura que os grandes eventos prometem. O que importa é a construção de um legado socioeducativo, do qual toda a sociedade se aproprie, e não apenas os atletas.

Topo

APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - Praça da República, 282 - CEP: 01045-000 - São Paulo SP - Fone: (11) 3350-6000
© Copyright APEOESP 2002/2011