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Ter, 23 de Abril 2019 - 18:30

51% dos professores já foram agredidos

Portal JCNet - 21.04 - Marcele Tonelli

 
Docentes relatam hostilidades sofridas em unidades escolares da cidade e sindicato diz que violência aumentou; uso indiscriminado de redes sociais tem amplificado os enfrentamentos
 
Professor é agredido em sala de aula. De tão comum, a frase parece até notícia repetida, mas revela uma triste realidade que tem se ampliado em meio à intolerância e desrespeito cada dia mais presente na sociedade e que também atinge em cheio a escola. Casos de agressão e humilhação dos mais diversos tipos são relatados por professores da cidade na rede pública e particular.
 
Entidade que representa os profissionais do Estado, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) diz que a violência escolar está cada vez maior e relaciona a situação à falta de estrutura das unidades e à desvalorização dos professores, o que é negado pelo Estado.
 
Em fenômeno mais recente, a violência escolar, que já atingiu a metade de todos os professores, também tem sido amplificada via grupos de redes sociais entre pais e entre estudantes, que parecem aproveitar as ferramentas não só para o bem, mas também para julgamentos sumários de situações e para reforçar preconceitos, que resultam na propagação de ódio.
 
"Os pais de uma sala montaram um grupo de WhatsApp e eu não quis participar. Foi aí que começaram a me criticar para a diretora, a questionar os conteúdos que eu ministrava e a dizer que os alunos tinham medo de mim. E, quando eu soube, a reclamação já tinha ido até para a Diretoria de Ensino", relata uma professora de 64 anos, que atua no ensino fundamental em Bauru.
 
"Me xingaram de vagabunda para baixo no tal grupo de WhatsApp. Eu fiquei doente, depressiva. Em duas décadas de sala de aula, nunca me senti tão humilhada. Nem tive coragem de contar para meus alunos que desisti da sala", completa a docente, que a acabou transferida pela Diretoria Regional de Ensino (DRE) para outra escola da cidade.
 
Em outro caso, uma professora de 54 anos, que atua no ensino médio em Bauru, diz ter sido ignorada por um grupo de três estudantes que sempre conversava em voz alta e atrasava cerca de 10 minutos para entrar em sala. "Foram várias situações. Até que em um dos dias eu me descontrolei. Uma aluna parte deste grupo ficou na porta me encarando e eu pedi para que ela se retirasse e ela chamou de merda a aula. Eu sei que me exaltei, mas minha atitude acabou confundida com racismo. Fiquei chateada, dou aulas na rede desde 1990 e nunca me aconteceu algo assim", narra a mulher.
 
MAIOR INCIDÊNCIA
 
No final de março, na semana em que Bauru lutava contra as fortes chuvas, mais um caso de humilhação, mas envolvendo agressão. "Uma mãe se desentendeu com uma professora na porta de uma escola de ensino fundamental e saiu batendo nela com um guarda-chuva. A professora saiu correndo", conta Suzi Silva, docente e diretora estadual da Apeoesp.
 
Relatos de professores que são ameaçados e até trancados em sala de aula por alunos também são comuns em Bauru. Poucos parecem chegar ao conhecimento das autoridades. Na última semana, a reportagem obteve acesso às mensagens de celular em grupos de professores que pareciam pedir por socorro por meio de grupos de WhatsApp contra a falta de respeito no ambiente escolar (veja nas imagens). Os nomes foram preservados a pedido deles para evitar represálias.
 
A regional da Apeoesp diz atender, cotidianamente, profissionais com problemas em escolas por causa de conflitos. "Há uma maior incidência que caminha junto com o abandono da estrutura escolar. Professores desvalorizados e desmotivados e tendo que lidar com uma sala cheia e alunos com problemas sociais graves", avalia Marcos Chagas, coordenador da Apeoesp Bauru.
 
'DESINTERESSANTE'
 
Suzi Silva acredita que uma das saídas para que os conflitos diminuam, além de mais investimentos nas escolas, é ampliar o quadro de profissionais com a contratação de psicólogos ou assistentes sociais, a fim de trabalhar dificuldades dos estudantes.
 
"Muitos alunos nem querem mais participar da aula. A lousa e o giz estão desinteressantes. E a maioria dos laboratórios de informática não funciona. Mas temos um problema até maior: existem alunos chegando ao 7.º ano sem nem conseguir ler", cita Suzi.
 
Ela aponta que a crise econômica que aumentou o desemprego também gerou consequências no comportamento de estudantes que convivem com a violência fora da escola.
 
"Os professores não conseguem vislumbrar um cenário de melhora. Passamos por um momento de desemprego, ânimos exaltados, intolerância e agressividade. A escola também tem sentido isso. Só que a figura do professor mediador não existe mais, eles foram tirados".
 
Aumento
 
Pesquisa do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) revela que 51% dos professores da rede estadual já sofreram algum tipo de violência. O dado é de 2017, três anos antes o porcentual registrado era de 44%.
 
'Valorização do educador é prioridade'
 
A Diretoria Regional de Ensino de Bauru disse, por meio de nota, repudiar toda forma de violência e que a valorização do professor, figura central no processo de aprendizagem, é prioridade para a nova gestão da Educação de São Paulo.
 
Segundo a pasta, o enfrentamento do problema deve ocorrer em parceria com outras frentes da sociedade, como comunidade escolar, famílias e polícia.
 
"A Rede Estadual de Bauru conta com professores que atuam como mediadores para trabalhar na resolução de conflitos e ações de incentivo à cultura de paz. Há ainda parceria com a Ronda Escolar da Polícia Militar para reforçar o policiamento no entorno das unidades de ensino", afirma o órgão em nota.
 
Grupos on-line amplificam conflitos na escola
 
O uso indiscriminado de plataformas on-line pode aumentar ainda mais desavenças entre professores, alunos e pais. Uma pesquisa realizada pelo Instituto iStart aponta que os conflitos, ofensas e desentendimentos nos grupos de WhatsApp são as ocorrências digitais mais comuns nas escolas do País.
 
Intitulado "Escola Digital Segura", o estudo mostra que ao menos 77,7% das ocorrências digitais nas instituições de ensino envolvem conflitos, ofensas e desentendimentos em grupos de WhatsApp.
 
Mas a coordenadora do Núcleo Pedagógico da DRE na área de linguagens, códigos e tecnologia, Sandra de Cerqueira Cesar afirma que, exceto pelo caso mostrado na reportagem na qual a professora foi alvo de pais por WhatsApp, não há problemas registrados envolvendo grupos de alunos ou professores em redes sociais. "Foi algo pontual. No contexto de Bauru, temos lidado bem e utilizado a tecnologia para o bem. Mas, claro que sabemos que muita coisa pode não chegar até a DRE", considera Sandra.
 
Ela cita que há preocupação do Estado com o uso da tecnologia e que a nova Base Nacional Curricular prevê o trabalho com as linguagens das mídias digitais. "Precisamos usá-las não só como ferramenta, mas ensinar a linguagem do meio. A comunicação é cheia de ruídos no mundo real, imagine no mundo virtual. É por isso que conflitos acontecem de forma mais fácil", pontua.
 
Só por participar de grupos, membros também podem responder por crimes
 
A má utilização da tecnologia pode trazer dores de cabeça até para quem apenas integra grupos em redes sociais, mas não participa. Especialista em crimes digitais, o advogado José Antônio Milagre diz que é cada ano maior o número de professores que procura a Justiça por terem sido alvos de chacota e abusos on-line por parte de estudantes. Ele alerta que os tribunais têm entendido que há responsabilidade não só para quem publica e compartilha conteúdos ilegais, mas também para os demais membros dos grupos, mesmo que eles não tenham se posicionado.
 
"Cresceu muito a procura por profissionais da educação vítimas de crimes raciais, de homofobia ou mesmo por terem virado chacota. A Internet aumentou a pena em um terço para quem pratica injúria ou difamação on-line", reforça Milagre.
 
"Uma professora descobriu que existia uma página falsa com seu nome na Internet criada por estudantes e que prejudicava sua reputação. Eles foram condenados, no fim de 2018, ao pagamento solidário de 60 mil em danos morais, que foram repartidos por cada integrante", exemplifica o especialista.
 
EVITE
 
Para não ser alvo, ele ensina que o usuário da rede deve ativar a ferramenta para não baixar automaticamente conteúdos da web.
 
"Ao receber algo indevido, a pessoa deve demonstrar no grupo se consente ou não. E tirar um print do seu posicionamento antes de deixar o grupo. Se um dia o ofendido souber e arrolar um processo, o usuário terá provas de que jamais entrou lá esperando receber conteúdos do tipo", ensina o advogado.
 
Ao perceber que um grupo de WhatsApp formado por pais de alunos da sala de seu filho havia virado espaço de conflito, uma enfermeira de 37 anos o deixou. "Criamos para falar de festinhas e atividades, mas as pessoas não se entendiam direito e gerava mais confusão do que solução. Se eu tiver que reclamar algo da escola, prefiro falar para a diretora. Se o problema é professor, prefiro resolver com ele mesmo" ressalta.
 
 COMPETÊNCIA
 
Pedagoga e especialista em utilização da tecnologia no ambiente escolar, Ketilin Mayra Pedro, que também é diretora do Centro de Ciências Humanas da USC, diz que a tecnologia, se mal usada, pode reforçar a exclusão e a violência, principalmente no contexto da escola.
 
"As pessoas ficam mais desinibidas no mundo on-line e o fato de não possuírem a competência digital faz com que elas não reflitam sobre como se portam e quais grupos pertencem. Na pressa, as pessoas não leem direito os conteúdos e, muitas vezes, se posicionam de forma inadequada, causando conflitos", cita a especialista. "No caso dos adolescentes é pior, porque eles já vivem em crise. E como não há debate sobre alfabetização digital, alguns simplesmente compactuam com as coisas, não checam, não refletem", considera.
 
'Doeu mais on-line do que presencialmente'
 
A violência escolar não atinge só professores. Aluno do nono ano de uma escola de Bauru, um garoto de 14 anos, conta ter sido vítima de homofobia por parte de colegas de sala em um grupo de WahtsApp. Após se assumir, o garoto foi excluído.
 
"Eu comecei a me transformar e um menino me descriminou e me chamou de gay de merda. Os demais colegas de sala viram tudo, mas não se posicionaram. Aquilo doeu mais on-line do que presencialmente".
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