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Observatório da Violência

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Sex, 16 de Agosto 2013 - 16:36

Reportagem especial: Violência contra professores

Quando a tarefa de ensinar vira caso de polícia

O que era para ser uma simples reprimenda pela bagunça no corredor da escola, tornou-se caso de polícia após uma aluna partir para a agressão física contra a professora. Glaucia Teresinha da Silva bateu com a cabeça no chão, teve traumatismo craniano, ficou 15 dias no hospital e seis meses em casa até se recuperar. Isso aconteceu em 2009, numa escola pública de Porto Alegre.

Glaucia deu a volta por cima, enfrentou o medo da sala de aula, e hoje desenvolve um projeto de alfabetização que é exemplo no Rio Grande do Sul. Mas passados quatro anos do caso que ganhou repercussão nacional, a violência contra professores nas escolas se multiplicou.

Segundo pesquisa divulgada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp) em maio deste ano, 44% dos professores da rede estadual já sofreram algum tipo de violência na escola. A agressão verbal é a forma mais comum de ataque, tendo atingido 39% dos docentes, seguida de assédio moral (10%), bullying (6%) e agressão física (5%). O estudo mostra ainda que quem mais sofre violência escolar são os professores do sexo masculino que lecionam no ensino médio: 65% deles foram agredidos de alguma forma.

Professores sem autoridade e desmotivados com o quadro de abandono da carreira, pais que repassam para a escola a tarefa de educar, alunos inquietos uma sala de aula que parece ter parado no tempo e governos omissos formam a bomba-relógio da violência.

Para contar o drama de quem precisa conviver com a violência física e psicológica, o Terra ouviu relatos de educadores de todo o Brasil. Eles já levaram tapas, socos, chutes, foram ofendidos por alunos e pais. Alguns superaram o trauma, outros não conseguem voltar para a escola. Eles não querem assumir o papel de vítimas, e reconhecem que a escola precisa mudar. Mas pedem respeito, e principalmente, querem ser valorizados como professores.

Agredida por pai de alunos em 2010, diretora sofre com convulsões

Cartola - Agência de Conteúdo
Especial para Terra

Há três anos a professora Maria Ladjane de Araújo, 53 anos, toma diariamente uma medicação para minimizar as convulsões que sofre em decorrência da violência vivida em outubro de 2010. A gestora da Escola Modelo Infantil Santa Joana, em Caruaru (PE), atravessava a rua quando um homem avançou em sua direção e lhe empurrou. Ela caiu de cabeça no meio-fio, sofreu traumatismo craniano e teve um edema frontal.

O agressor é pai de dois alunos que estudavam na instituição.

Na época, a imprensa local noticiou que o homem estaria contrariado por ter sido chamado na escola para conversar sobre o comportamento da filha. Irritado, ele teria discutido com Maria, o que não é confirmado pela professora. "Não houve conversa, ele simplesmente chegou e me agrediu", relata.

Maria foi levada a um hospital no Recife e passou oito dias internada. Perdeu olfato, paladar e teve a audição prejudicada - hoje escuta apenas com o ouvido esquerdo.

Com a fala arrastada, a docente conta que, desde o episódio, evita sair na rua e, quando sai, só anda acompanhada. "Meu dia acaba mais cedo. Depois das 20h, quando tomo meu remédio, fico dopada e não consigo fazer mais nada", acrescenta.

Na instituição, a educadora segue no mesmo cargo de três anos atrás, mas confessa que já não consegue cumprir suas funções como antes. "Eu sigo assinando papéis, tomando algumas decisões, mas já não tomo a frente das atividades, conto muito com minha equipe", lamenta. Após a agressão, levou dois meses para voltar ao trabalho.

O agressor aguarda sentença na justiça e cumpre uma medida que o impede de chegar a menos de 500 metros da professora. Em depoimento dado na época, o homem afirmou que tudo não passou de um acidente e que não tinha intenção de machucar a professora. Maria já o conhecia havia oito anos, e afirma que não esperava vê-lo daquela forma. "Ele estava visivelmente descontrolado. Tenho 30 anos de escola e também moro aqui há 30 anos, nunca tinha vivido uma situação como essa. Caruaru inteira ficou revoltada", complementa, lembrando que foi difícil para o pai matricular as crianças em outro colégio, tal era a indignação da população. "Ele destruiu minha vida, mas destruiu a dele também. Ele sabe que a família dele sofreu com essa situação", diz.

Professora cai em depressão e precisa mudar de casa após agressão

Giuliander Carpes / Terra

Leila Soares tomou oito golpes – segundo o agressor de 15 anos – de um aluno da Escola Municipal João Kopke, na zona norte do Rio de Janeiro, no dia 21 de março deste ano. Mas muitos outros socos continuaram ocorrendo depois da agressão. Hoje, quase cinco meses depois de ser agredida na sala onde dirigia o colégio, ela ainda sente os efeitos do trauma. Ainda não voltou a trabalhar e só recentemente começou a sair de casa sozinha.

É uma sensação estranha. Um misto de medo, raiva, vergonha. A gente não sabe o que as pessoas estão pensando, falando, julgando", diz a professora, que sentiu o segundo grande golpe depois da agressão quando foi para a delegacia. No local, a professora cruzou com o aluno e sua mãe. Ele ria. Ela questionava que não havia nem marca aparente da agressão.

O empurrão na escada ocorreu porque Leila havia chamado a atenção do aluno. Ela correu para sua sala enquanto um professor segurava o agressor, que acabou se desvencilhando e conseguindo dar os golpes embora ela tentasse se defender com as mãos sobre o rosto.

Fraturou o nariz, lesão que demorou alguns exames para ser encontrada mesmo que ela tivesse pagado consultas num hospital particular – mais um soco. "Fiquei 15 dias com o rosto dormente. Não conseguia dormir. Fechava os olhos e via aquele garoto me agredindo. Quando ele saía, olhava para trás e ria.".

Moradora de região próxima à escola, Leila caiu em depressão, passou a tomar remédios e teve de se mudar com os dois filhos para outro lugar. O garoto foi apenas transferido de escola, medida praxe da Secretaria Municipal de Educação. Leila foi colocada em licença saúde.

Perdeu parte de seu salário por causa disso. Mas não reclama da secretaria, que sempre procurou saber como ela estava e deu apoio psicológico. Reclama porque o aluno não tomou nenhum tipo de punição.

"Deveria juntar várias secretarias e formar um programa. Meus filhos, quando fazem alguma bobagem, eu deixo sem computador. O aluno tem que perder alguma coisa, mas não jogar num lugar onde ele vai ficar preso cultivando raiva.".

E teme que ocorram outros casos. "Depois da minha agressão, soube de várias outras. O professor está cada vez numa situação mais vulnerável. A gente tem cada vez mais obrigações e está mais acuado.

Carta de desabafo de uma professora agredida

Quantas vezes nos indignamos quando sabemos de casos de agressões a colegas, profissionais como nós.
Mas não nos indignamos o suficiente por acharmos que ainda está muito distante...
De repente, chega a nós.
O corpo dói. Mas a dor vai passando com gelo, analgésico, remédios...
O coração, este fica tão apertado que parece que sobra espaço em torno dele de tão pequeno. Este espaço é preenchido com dor. Que não tem remédio.
A alma fica endurecida. Parece que sai do nosso corpo...
A pele dói. O sangue circula doendo. Os membros movem-se doendo.
Perdemos o chão. Não temos onde nos agarrar.
Só o carinho dos amigos (conhecidos ou não) é que nos conforta.
Sofremos nós, nossos parentes, nossos amigos, nossos companheiros.
Sofre uma sociedade inteira que vive temerosa porque não temos quem nos proteja.
O agressor sai de cabeça erguida, olhando para trás e rindo.
Não só do agredido, mas de cada um de nós.
Ri daquele que foi empurrado, xingado, ameaçado, chutado, socado.
Ri daquele que o tirou e tentou mostrá-lo o erro.
Ri do erro...
Ri de quem não deveria mais permitir o erro.
Ri da sociedade que fica refém enquanto ele continuará empurrando, xingando, ameaçando, chutando, socando...
Ri do sangue que escorreu, do rosto que machucou, da alma que feriu.
Apenas sai, impune, e olha para trás, e ri.
Para mais adiante deixar refém mais muitos.
Quem somos nós, educadores?
Pois eu sei quem somos nós:
Somos aqueles de quem ri o que sai impune, olhando para trás e rindo.
Será que serei só mais uma?
Ou a última?

Leila Soares de Oliveira
Diretora agredida por um aluno na Escola Municipal João Kopke, no Rio de Janeiro, em 21 de março de 2013.

Agredida por mãe de aluno, professora tem medo de voltar a lecionar

Fabricio Escandiuzzi
Especial para Terra

Restando pouco mais de dois anos para se aposentar, a professora L.C.C., 51 anos, passa por um grande dilema: retornar para a atividade que escolheu como profissão, ou permanecer em casa, de licença médica e passando por profunda depressão.

A educadora foi agredida por uma mãe de aluno na porta da escola onde trabalhava, na região metropolitana de Florianópolis (SC). Empurrada, sofreu uma lesão no cóccix, o que forçou a licença médica. A lesão, bem como os arranhões e roxos pelo corpo já cicatrizaram, mas o "estrago" causado pelo ato ainda deixa marcas na profissional. "Morro de vontade de voltar para a sala de aula, mas não queria passar por isso de novo", afirma.

O caso ocorreu no final de outubro do ano passado. L. tem receio de divulgar o nome da escola e sua identidade. Lecionando para estudantes com idades entre 9 e 10 anos, ela foi cercada pela mãe e avó de uma aluna, que não se conformaram com uma nota da filha. "Trabalho há mais de 20 anos com educação e nunca tinha passado por isso. Os pais, anos atrás, castigavam os filhos pelas notas baixas. Nunca o professor", afirma.

O caso de L.C.C. é considerado comum em Santa Catarina, de acordo com o Sindicato estadual dos Trabalhadores em Educação (Sinte). "Recebemos entre uma ou duas denúncias graves ao mês. Mas esse número é maior, pois muitas das professoras, agredidas verbalmente, não comunicam o fato", afirma Claudete Mittmann, diretora da entidade.

Segundo ela, não existem dados oficiais sobre a quantidade de agressões sofridas pelos professores.

Para a líder sindical, o profissional da área de educação vem sofrendo com diversos problemas que afetam sua saúde mental. A agressão seria apenas “um deles”. "Os professores sofrem por cargas excessivas de trabalho, são obrigados a lecionar em escolas sem estrutura, passar por situações vexatórias e ainda ir para a rua para brigar pelo salário", completa Claudete.

Me sinto jogado no lixo, diz professor que largou sala de aula após agressão

Ney Rubens
Especial para Terra

G.A.P é professor da rede pública do interior de Minas há 19 anos e há seis está em ajustamento funcional por causa de agressões dentro das escolas. O caso, que aconteceu em 2007, deixou traumas que até hoje não foram superados. O educador de 45 anos, que prefere não revelar o nome, contou que em um dia de trabalho um dos alunos estava sem nota e não queria refazer a prova. Bastou para que o professor sofresse mais do que ameaças por parte do adolescente.

"Ele queria fazer a prova anterior que já estava corrigida. Quando eu falei que não, ele jogou a carteira em mim, a minha sorte é que não pegou. Eu saí da sala, fui relatar para diretora e ela jogou a culpa para mim", recorda.

Depois da agressão, o professor disse que o aluno não sofreu nenhuma punição por parte da escola, mas ainda hoje G.A.P sofre por causa desse episódio. Exercendo funções administrativas na escola, ele revelou que faz acompanhamento anual com um psicólogo e tem síndrome do pânico. "Todo tipo de assedio moral foi feito pra cima de mim. Não só por parte dos alunos, mas também por parte da direção. Morava sozinho, passei dias trancado em casa, comendo restos de comida porque eu não conseguia fazer mais nada", conta.

O professor conta que já viu vários casos semelhantes dentro das escolas e que se sente mal por ter que exercer outra função que não dar aulas por causa do ajustamento. "Eu não sou o único que tem ajustamento funcional, em uma das escolas tenho três colegas que estão na mesma situação. Eu me sinto como se tivessem me jogado no lixo,” desabafa.

Faço acupuntura para me desfazer do trauma, diz professora.

Outro caso de agressão em Minas Gerais deixa marcas dois anos depois. Em 2011, uma professora gravou vídeo do momento em que um aluno agredia com chutes a diretora de uma escola pública em Contagem. O vídeo flagrou o momento em que o aluno saiu da sala de aula e ameaçou verbalmente a diretora: "vou matar você", disse. Após a ameaça, ele encontrou a diretora no corredor e deu chutes nas pernas dela.

Na época, a pedido da direção da escola, a polícia procurou o adolescente em casa, mas não encontrou nem o estudante nem os responsáveis. Atualmente, a educadora agredida trabalha em outra escola e disse que "ainda não me sinto bem em falar do ocorrido". Ela contou apenas que tem feito acupuntura para se desfazer do trauma.

Professores se revoltam contra falta de punição a agressores

Ney Rubens
Especial para Terra

Professora de uma escola estadual na periferia de Belo Horizonte, IFO não quer ser identificada por medo de represálias na instituição de ensino e de novas agressões. Após levar chutes de um estudante, passou seis meses de licença médica e agora toma antidepressivos regularmente devido ao trauma. A maior revolta é quanto a falta de punição.

"O aluno chegou chutando porta. Parecia que ele havia consumido drogas e estava agitado. Eu pedi para ele respeitar os colegas e ele veio pra cima de mim, me chutou, me derrubou no chão. Ele só não me bateu mais porque os alunos interferiram", conta a educadora sobre a cena que prefere não lembrar.

Ela desabafa ao falar que acorda várias noites chorando por causa da agressão. "A gente acaba sendo mãe, pai, psiquiatra e acaba tendo que suportar essas coisas. Eu tenho muitos colegas que desistiram. Eu não desisto porque eu sou muito corajosa" afirmou. Segundo a educadora, nada foi feito por parte da escola para punir o aluno. Atualmente dois vigias tomam conta da instituição, mas nenhuma iniciativa foi tomada para tentar coibir a violência. "Eles vigiam o patrimônio, mas as pessoas não".

Aluno ganhou apenas advertência

Carol Felix, 26 anos, também enfrentou situação semelhante há um ano e até agora não viu nenhuma medida para tentar conter a violência na escola onde dá aulas em Belo Horizonte (MG). Ela conta que costumava participar das aulas de educação física nas horas vagas e que um aluno que estava de castigo por ter desrespeitado as normas da escola insistiu em participar. Ela negou e foi atacada.

"Eu vou te bater, você não manda em mim", recorda. "E ele veio pra cima de mim. Eu segurei a mão dele e a professora de educação física segurou ele por trás", disse. A direção ao saber do caso deu uma advertência para o aluno, na época com 13 anos, mas "não tomou nenhuma medida mais severa". "Não podia expulsa-lo da escola , ele morava em abrigo, não tinha pai e mãe, por isso não deixavam que ele fosse expulso" relata.

Três anos após agressão, professora ainda teme represália de aluno

Cartola - Agência de Conteúdo
Especial para Terra

Marina não é o nome da professora agredida em 2010 em um município do interior ao norte do Mato Grosso do Sul. Ao aceitar a entrevista, a professora pediu que sua identidade fosse preservada por medo de represálias, sentimento compartilhado pela diretora da escola que solicitou que o nome da instituição também não fosse publicado.
O agressor, um estudante de 16 anos, estava no 6º ano e era maior do que os colegas e do que a própria professora. Ele mexia no celular em sala de aula, o que é proibido por lei no Estado. Por isso, a professora de língua portuguesa pediu que ele largasse o aparelho mas o garoto insistiu. Quando ela tomou o dispositivo, o aluno começou a rabiscar a mesa em protesto. A docente disse que devolveria o celular, com a condição de que ele limpasse a classe. Ele saiu, irritado.

No fim do período, quando Marina estava indo para o intervalo, o estudante voltou e começou a insultá-la aos berros no corredor, ameaçando-a. O jovem levantava a mão para bater na professora, quando outra docente impediu, e o murro se transformou em um empurrão. "A marca da mão dele ficou na minha blusa branca, e meu braço ficou vermelho", lembra Marina. Ela fez um boletim de ocorrência, e o aluno foi levado pela Ronda Escolar.

"Fui chamada para prestar depoimento apenas uma vez. Depois, tudo foi esquecido. Tenho amigos no fórum da cidade e descobri que o processo sequer chegou lá", relata a professora. Ela acredita que o caso tenha sido arquivado por influência da mãe do menino, que trabalhava em um órgão judicial na região – a mãe, inclusive, ameaçou processá-la por coação, termo jurídico para constrangimento.

Marina conta que, depois do ocorrido, o rapaz chegou a ser suspenso, mas voltou à escola em seguida. "Por um mês, ele ficou assistindo apenas às minhas aulas, como forma de me desafiar, e ficou rondando minha casa", diz a professora. Ela decidiu ignorar o comportamento do adolescente até que ele acabou saindo da escola.

Hoje com 32 anos, Marina segue lecionando, mas conta que sua postura em sala de aula mudou. Por medo, a professora já não toma o celular de um aluno se o vê utilizando o aparelho. "A gente fica receosa, pois os alunos percebem que não há consequências. Você fica à mercê de novos acontecimentos como aquele", lamenta.

Professora agredida supera trauma e vira exemplo na alfabetização de crianças

Angela Chagas / Terra

Uma simples reprimenda a uma aluna que fazia bagunça nos corredores da Escola Estadual Bahia, em Porto Alegre (RS), transformou Glaucia Teresinha da Silva num símbolo da violência contra professores em 2009. Uma aluna, na época com 15 anos, pegou a educadora pelos cabelos e a jogou no chão. Glaucia sofreu traumatismo craniano, ficou duas semanas hospitalizada e teve todo o lado esquerdo paralisado. Foram longas sessões com fisioterapeutas, neurologistas e psicólogos até recuperar os movimentos e ter coragem de sair de casa.

Seis meses depois de virar notícia em todo o País por conta da agressão, Glaucia resolveu dar a volta por cima e retomar as atividades. Contrariou os pais e o irmão – que queriam que largasse o magistério – e se tornou exemplo na alfabetização de crianças no Rio Grande do Sul. Ela deixou a Escola Bahia e passou a se dedicar apenas à turma do primeiro ano em outra escola pública da capital. "Fiquei seis meses fora e meus alunos não se adaptaram com os outros professores. Quando voltei, era fim do ano e eles não estavam alfabetizados. Então precisei pensar em algo diferente para mudar essa situação".

A professora então criou um projeto de alfabetização que envolvia a proteção do ambiente. Chamou os pais para ajudar e cada criança criou um livro contando suas histórias ligadas ao “mundo sustentável". No final do ano, foi feita uma sessão de autógrafos na escola. Todos estavam alfabetizados. "Em dois meses eles aprenderam a ler e escrever", conta ela orgulhosa, ao afirmar que o apoio das crianças ajudou a enfrentar a situação difícil. "Eles acompanharam tudo o que aconteceu comigo e até hoje (os alunos estão no quinto ano na escola) me protegem". O sucesso da iniciativa foi levada adiante e Glaucia passou a dar palestras em encontros de professores em todo o Estado.

No entanto, a professora alegre e apaixonada pela profissão que recebeu o Terra em uma das salas coloridas da Carlos Rodrigues da Silva não conseguiu esquecer aquele dia triste de março de 2009. "Por mais que a agressão tenha acontecido há alguns anos, ainda me sinto incomodada. Se vejo uma pessoa parecida com ela (agressora) na rua, tenho medo. A gente nunca esquece", afirma. Glaucia ainda recebe acompanhamento psicológico e faz exames neurológicos de seis em seis meses, já que desde a lesão sofre fortes dores de cabeça.

Glaucia conta que nos primeiros meses após o retorno o pai e o irmão se revezavam para busca-la na escola. "Eles ficaram muito preocupados. Para a minha família era muito risco voltar a dar aulas. Foi uma luta dizer que eu queria voltar, que eu não queria abandonar a minha profissão", conta a educadora de 29 anos e que dá aulas desde os 17, quando terminou o magistério. Para quem pensa em desistir do sonho de educar, ela deixa um recado: Existe uma série de fatores que colaboram com a violência, como a desestruturação das famílias, e o professor não recebe nenhum suporte. Mas não podemos desistir dos nossos sonhos por causa de algo ruim".

Sou vítima do Estado, afirma professor agredido com vaso na cabeça

Angela Chagas / Terra

Era setembro de 2011. Antônio Mario da Silva entrou na sala da sexta série, fez a chamada e começou a aula de história para normalmente. Cerca de 40 minutos depois, um estudante atrasado bateu na porta e quis entrar. O professor não deixou e começou a ouvir sucessivos xingamentos. A mãe foi chamada até a escola estadual de Diadema (SP) e, durante uma conversa na sala da direção, o aluno de 12 anos jogou um vaso de planta na cabeça de Mário. "Ele pegou um vaso de argila que tinha no meio da sala e jogou na minha cabeça, com muita força. Só não me matou porque o vaso estava envolvido com bastante papel".

O professor, hoje com 42 anos, foi parar no hospital. De lá, seguiu para a Delegacia de Polícia. O aluno foi transferido de escola, mas Mario lamenta que nunca tenha sido chamado para prestar depoimento sobre o caso. Ele também se revolta com a atitude da mãe. Segundo Mario, ela nem sequer reprimiu o filho após a agressão. "O aluno quebrou o vaso na frente da mãe, e ela não fez nada".

Mas o pior, de acordo com ele, é a omissão do Estado frente aos problemas enfrentados em sala de aula. "O professor precisa lidar com vários problemas sociais, como a questão da droga, e ainda tem que dar aula para uma sala com 50 alunos dentro. Parte dessa violência é culpa do Estado, que não dá condições de trabalho, me sinto como uma vítima do Estado", afirma ao citar também os baixos salários como fatores que desmotivam a categoria.

Mario conta que até pensou em abandonar a profissão, mas que precisa do emprego. "No momento que acontece esse tipo de violência a gente fica pensando, mas é profissional, não pode largar tudo, tem que trabalhar. E também eu gosto de ser professor, apesar de tudo", completa.

Professor processa Estado por falta de condições de trabalho

Tiago Tufano / Terra

Em alguns casos a violência verbal e psicológica de alunos contra professores causa o mesmo impacto que a agressão física. Um educador da rede estadual de ensino de São Paulo está processando o governo do Estado por falta de condições de trabalho para exercer sua profissão. Segundo o professor, que prefere não se identificar, seu nível de estresse chegou a um ponto extremamente crítico.

"Eu adquiri problemas de saúde psicológica e psiquiátrica por conta da falta de infraestrutura do Estado. Temos problemas de salas lotadas e alunos indisciplinados. Já não temos a valorização do Estado e a sociedade perdeu o respeito pela figura do professor. A gente passa a não ter mais voz ativa", afirma o educador de 45 anos.

Segundo ele, as agressões eram diárias na escola em que lecionava, até que o professor preferiu procurar a ajuda de um profissional, que atestou sua impossibilidade em permanecer trabalhando dentro da sala de aula, em contato direto com os estudantes. O educador passou então a trabalhar no setor administrativo da escola estadual.

"Sua autoestima passa a ser baixa, você se sente inútil e também se torna uma pessoa agressiva. Isso desencadeia um estado psicológico e emocional tão ruim que tive que me afastar com o aval de um psiquiatra", explica o docente.

Ele começou a ter problemas em 2000, quando teve que sair de licença médica. Porém, o processo foi aberto apenas cinco anos mais tarde e a primeira resposta veio em 2008. A ação corre na Justiça.

Ele admitiu ainda que hoje em dia não tem a mínima vontade de voltar a dar aulas no sistema público de ensino. Para o professor, 13 anos depois de se afastar das aulas, as "coisas só pioraram". "Na rede pública não tenho mais vontade, porque de lá pra cá as coisas só pioraram. Hoje em dia existe uma falta de moral muito grande. Os próprios pais são sempre contra a escola e contra os professores", lamenta.

A crise de valores na escola

Angela Chagas / Terra

Por que os professores não têm mais a autoridade de antigamente? É com esse questionamento que Maria Izabel Noronha, presidente do sindicato dos educadores da rede estadual de São Paulo (Apeoesp) tenta compreender o fenômeno da violência contra os educadores. O sindicato foi responsável por divulgar, em maio deste ano, uma pesquisa que mostra o desalento cenário da violência em sala de aula: 44% dos educadores da rede estadual já sofreram algum tipo de agressão física e psicológica. Para ela, os dados refletem uma escola que não mais atende aos anseios dos alunos.

"Temos a mesma escola desde a época de Dom João VI. E essa escola, que não evolui, é vista pelo aluno como chata e maçante", diz Maria Izabel, ao afirmar que as inquietações dos estudantes com aquilo que eles não gostam acabam sendo depositadas no professor. "O pior nesse processo é que o professor sente-se sozinho, porque os únicos instrumentos que ele tem são o giz, a lousa e o apagador. Ele não tem amparo do governo e da família", analisa.

Doutora em psicologia da educação e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ivany Pinto Nascimento concorda que a escola não atende mais às necessidades dos alunos. "O professor deixou de ser uma figura que representa a autoridade, o poder, porque sobre ele recai a imagem da escola desinteressante". Ela diz que a situação é pior na rede pública, com salas superlotadas e professores mal remunerados.

Ambas concordam que a solução para a violência dentro da sala de aula passa pelo envolvimento da família. "Não adianta punir o estudante com suspensão, com transferência de escola. Isso muitas vezes acaba se tornando uma espécie de prêmio para ele", afirma Maria Izabel. Uma forma de "punição" que garante resultados, segundo ela, é conversar com os pais e pedir o apoio deles na definição de uma espécie de castigo por causa do mau comportamento – que pode ser a interrupção de uma atividade, como jogar videogame, assistir TV.

O problema dessa solução "ideal" é garantir a participação da família na escola. "O pai e a mãe tiveram de sair para trabalhar fora e sobre o professor recaiu toda a tarefa de educar. Recuperar o envolvimento da família com a escola é um desafio", afirma a professora da UFPA. Fortalecer os conselhos escolares e cobrar maior estrutura, com o fortalecimento do quadro de orientadores escolares e psicólogos, pode ajudar a reverter esse quadro.

Angela Chagas - Terra - 15/08/2013

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