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Qua, 11 de Dezembro 2013 - 14:05

Violência Escolar - o retorno (do que não partiu)

Pesquisa: Violência escolar, o olhar dos professores

A APEOESP, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, divulgou recentemente uma pesquisa intitulada “Violência escolar: o olhar dos professores”, para cuja realização contratou o Instituto Data Popular. Seus resultados reacendem o debate sobre seu tema, que sempre volta, sem nunca ter partido. Jornais e outras mídias a divulgam, com análises diversas.

Os pesquisados são todos professores: 1400, da rede estadual de ensino . Apontam, invariavelmente, para os alunos como os autores por excelência dos atos violentos na cena escolar: 95% dos entrevistados o fazem (p. 14).

Como psicóloga de um serviço de atendimento psicológico especializado em dificuldades no processo escolar, ouço cotidianamente histórias de violências cometidas por professores e gestores escolares. Contra alunos e pais. São palavras destrutivas, humilhações, atos que podem chegar mesmo à violência física. Como vez por outra lemos nos jornais. Não posso deixar de estranhar sua presença apenas muito discreta neste quadro: em apenas 4% das entrevistas.

Como entender a quase ausência da violência destes educadores contra alunos e pais nesta pesquisa?

A escola é sim afetada por fatores externos produtores de violência: tensões sociais como racismo, preconceitos contra pobres, tráfico de drogas, alcoolismo, como aponta este estudo. E por dificuldades externas de âmbito mais restrito: o familiar (que não é desvinculado dos fatores anteriormente citados). Porém, tem características e modos de acontecer violentos que lhes são intrínsecos, ou melhor, que são sistêmicos, mas que tomam formas particulares (e singulares) no universo escolar.

Assim, os professores veem seus esforços de planejar e organizar seus trabalhos minados por políticas públicas que despencam do “céu”, aparentemente sem sentido, e têm de ser seus executores. Têm frequentemente seus esforços e criações desqualificados, invisibilizados, atacados. Trabalham imersos em um ambiente hostil, por parte de colegas e alunos. E correm atrás de uma miragem: a aplicabilidade de um projeto de escola que data, em essência, da Revolução Francesa (1789), quando uma utopia de sociedade que já se revelou inexequível inspirou suas formas essenciais: o ensino padronizado e individual de uma escola supostamente neutra, que acreditava-se capaz de garantir a igualdade de oportunidades promotora de uma sociedade justa. Só para citar umas poucas das muitas agruras que os professores enfrentam para exercer sua profissão.

Frustram-se, sofrem, deprimem doentiamente, adoecem fisicamente, perdem a cabeça e cometem violências das quais muito se arrependem depois. E aí deprimem-se mais ainda.

Os professores sabem muito bem das violências que ocorrem nas escolas das quais os alunos não são os protagonistas, mas sim professores, gestores e outros de seus trabalhadores. Sabem da violência de muitas medidas e práticas dos órgãos centrais das redes de ensino.

No entanto, muitas vezes estão acuados. Recaem sobre eles, pesadamente, acusações de serem os responsáveis pelo desastre educacional. São chamados de incompetentes, insensíveis, preguiçosos, descompromissados, mal formados, cruéis etc. etc.

Acuados e acusados também, muitas vezes, estão os alunos. Chamados de vândalos, desinteressados em aprender, burros, violentos, promotores de bullying, ladrões, traficantes, drogados etc. etc. Ah, sim, e portadores de Déficit de Atenção, hiperatividade, dislexia…

Também pais encontram-se frequentemente acuados. São acusados de não darem educação a seus filhos, de não terem competência para formar uma família estruturada (o que será isso?), irresponsáveis, incapazes de amar seus filhos, transmissores de valores tortos, violentos, ladrões, traficantes, bêbados, promíscuos, drogados etc. etc.

A comunidade escolar vive, então, um jogo de mútuas culpabilizações de que todos saem destruídos. Isto é bastante visível quando chegam aos atendimentos psicológicos que realizamos, os quais têm-se tornado, na maioria dos casos, um exercício de resgate de potências e potencialidades, um catar de cacos destes seres humanos, dando-lhes (ou restaurando-lhes) forma, revelando a beleza e a vitalidade que sempre têm. Alunos, pais e professores.

Voltando à pesquisa da APEOESP: é como uma atitude de entrincheiramento em um campo de guerra, uma estratégia de sobrevivência, que consigo compreender porque a autoria da violência escolar é atribuída quase que exclusivamente aos alunos. E porque a autoria dos professores e gestores do sistema educacional surge apenas de maneira pouco significante.

Mas nem só de violência vivem as escolas. Sabemos bem o quanto estas são mundos complexos, plenos de movimentos e acontecimentos contraditórios e paradoxais, pois assim são as pessoas e os grupos humanos. E um prédio não é uma escola sem os seres humanos que lhe dão vida e este sentido. Experiências educativas e acontecimentos cheios de vigor criativo, libertador e amoroso habitam cotidianamente estes espaços.

Nelas, alunos são reconhecidos e alimentados em sua capacidade de serem sujeitos de seu processo educativo e de vida, a comunicação com o outro é parte importante do aprendizado escolar e não uma necessidade que vaza como transgressão, cuidar as relações não é acessório mas eixo de trabalho, errar e conflitar são motores de crescimento e não males a serem extirpados, há espaço para reconhecimento e respeito a ritmos e interesses singulares sem perder de vista o convívio. Práticas fundadas em princípios assim têm demonstrado inequivocamente sua potência para reverter muito significativamente a violência escolar demolidora. Inclusive quando imersas em entornos violentos. Ocorrem desde como heroísmo individual de educadores isolados até sistematicamente em instituições que as têm como fundamento do acontecer educativo.

Como conquistar os meios de expandir tais experiências?

“Este mundo… …está grávido de outro”. (Eduardo Galeano)

“Se faz caminho ao andar”. (Antonio Machado)

Borandá.

* Beatriz de Paula Souza é psicóloga e Mestre em Psicologia Escolar pelo Instituto de Psicologia da USP, onde coordena o serviço de Orientação à Queixa Escolar. É membro do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade e do Grupo Interinstitucional Queixa Escolar -GIQE. Organizou os livros "Orientação à Queixa Escolar", "Medicalização de Crianças e Adolescentes" e "Saúde e Educação: muito prazer!".

 

Beatriz de Paula Souza* - Portal do Educador - 10.12.13

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