APEOESP - Logotipo
Sindicato dos Professores

FILIADO À CNTE E CUT

Banner de acesso ao Diário Oficial

Teses e Dissertação

Voltar

Ter, 19 de Março 2013 - 15:20

Doutorado analisa como a exclusão e o desemprego foram impostos à primeira geração de negros pós-escravidão

Por:

Depois de estudar o trabalho do negro livre em seu mestrado em História Econômica, o professor Ramatis Jacino aprofundou o tema e apresentou agora na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP a sua tese de doutorado, cujo título é "O trabalho do negro na cidade de São Paulo pós-escravidão - 1912/1920".
O trabalho revela que uma série de leis marginalizaram os escravos libertos, excluindo-os do mercado de trabalho. Explicitamente ou não, elas proibiam os negros de exercer atividades remuneradas e de ocupar  lotes de terra, onde poderiam dedicar-se à pecuária e à agricultura de subsistência.
“Esses fatores podem ser considerados indícios de que houve uma construção ideológica gestada pelas elites que visava a exclusão do negro da sociedade brasileira”, aponta o pesquisador Ramatis Jacino, que analisou aproximadamente 43 mil boletins de ocorrência emitidos em São Paulo na segunda década após a abolição da escravatura, entre 1912 e 1920.
Com o fim da escravidão, os únicos documentos oficiais que mencionavam a cor da pele e a profissão exercida eram os boletins de ocorrência da polícia. Anúncios de jornais da época e processos criminais também foram analisados pelo pesquisador.
Orientado pela professora Vera Lúcio Amaral Ferlini, Ramatis dedicou-se a descobrir como viveu a primeira geração de negros nascidos após a abolição. Mesmo alforriados e vivendo já no início do século XX, eles não eram admitidos nem para as profissões mais humildes, como ama-seca, domésticas e criados.
Estes postos passaram a ser ocupados por imigrantes, que chegavam todos os dias a São Paulo em busca de trabalho. A legalização da exclusão dos alforriados começou ainda no século XIX. "Em 1886, por exemplo, uma lei municipal determinava que as profissões de cocheiros, aguadeiros [que carregavam baldes d’água], caixeiros viajantes e guarda-livros [contadores] não poderiam ser exercidas por escravos”, explica o professor Ramatis.

Cor da pele

Segundo o pesquisador, muitos empregadores publicavam em jornais anúncios de oferta de emprego. Na maioria, explicitavam a necessidade de o candidato ser branco e imigrante (italiano, alemão), etc. “Em anúncios de grandes empresas da cidade, não encontrei um texto explícito sobre a cor do candidato. Entretanto, na composição do quadro de funcionários, a maioria era estrangeiro e havia pouquíssimos negros”, comenta.
O Poder Público também determinou que os lotes de terra ocupados pela pecuária e agricultura familiar fossem concedidos aos chamados “homens bons”, ou seja: brancos, cristãos e pais de família. Excluídos destes critérios, os negros foram obrigados a abandonar as terras e a se mudar para as regiões mais remotas da cidade.
Havia ainda a Lei de Terras, sancionada em 1850, que determinava que a posse da terra seria feita mediante a compra. "No Império, as terras eram divididas por meio de sesmarias e muitos posseiros eram brancos pobres, índios, caboclos e negros. Com a Lei de Terras, a maioria teve dificuldade em comprar os lotes", conta o pesquisador.

Uma ideologia cruel

Professor de História na EE República da Guatemala, no Itaim Paulista e sindicalista, Ramatis deteve-se em seu doutorado em um aspecto ainda mais profundo desta exclusão planejada de grande parcela de mão-de-obra paulista no início do séxulo XX. O pesquisador descobriu que houve uma alteração do mito de que o Brasil seria resultado de três raças.
"Durante o Império (1822-1889), o mito fundador do Brasil era representado pela união de brancos, negros e índios na luta contra os invasores holandeses, nas figuras de Antonio Felipe e Clara Camarão (índios), Henrique Dias (negro) e Matias de Albuquerque (português). Já na República, proclamada em 1889, esse mito foi alterado pelas elites e a formação do Brasil passou a ser associada à índia Bartira e ao português João Ramalho", explica.
Para Jacino, trata-se de “mais um indício de que a intenção das elites era excluir a figura dos negros da história da fundação do País.". "O índio era considerado o 'bom selvagem'; já o negro era o 'mau selvagem'", diz.
A tese de doutorado de Ramatis Jacino revela como o discurso ideológico construído pós-escravidão foi cruel e avassalador para a população negra. Na transição do trabalho escravo para o assalariado, muitos intelectuais das mais renomadas instituições de ensino superior defendiam que a miscigenação levava a doenças, que os negros tinham problemas de caráter e idade mental inferior aos brancos.
Antes mesmo do nazismo, as oligarquias paulistas apoiaram-se nestas ideias com a intenção de branquear a sociedade. "A sociedade moderna e capitalista que a elite queria, precisava ser branca”, conclui o pesquisador.


SERVIÇO: A tese de doutorado "O trabalho do negro na cidade de São Paulo pós-escravidão - 1912/1920", do professor Ramatis Jacino, será publicada na Biblioteca Digital da USP: www.teses.usp.br. Contatos com o pesquisador, através do e-mail rama@usp.br

Topo

APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - Praça da República, 282 - CEP: 01045-000 - São Paulo SP - Fone: (11) 3350-6000
© Copyright APEOESP 2002/2011