APEOESP - Logotipo
Sindicato dos Professores

FILIADO À CNTE E CUT

Banner de acesso ao Diário Oficial

Teses e Dissertação

Voltar

Sex, 30 de Maio 2014 - 11:46

Doutorado em História da Unesp analisa arte e política na obra de Chico Buarque

Por: Ana Maria Lopes

Um doutorado em História avalia dois clássicos produzidos por Chico Buarque na década de 70: "Calabar: O Elogio da Traição", que Chico escreveu com Ruy Guerra em 1973, e "Gota d'água", composta em 1975 em parceria com Paulo Pontes.

A pesquisadora Cláudia Regina dos Santos é a autora da tese "Dramaturgia engajada no Brasil: As produções 'Calabar: O Elogio da Traição' e 'Gota d'água'", apresentada à Unesp de Franca em 2013.

Representantes do teatro engajado, os dois trabalhos revelam a dimensão assumida pelo diálogo entre arte e política em uma época em que intelectuais e artistas tinham que enfrentar a censura institucionalizada no País para expressar-se.

A autora mapeou as peças e fez uma análise poética das músicas, discos, programas e artigos sobre as produções, além de dimensionar a arte engajada teatral das décadas de 1960 e 1970, com enfoque no projeto cultural de embate ao regime militar.

"A apropriação do discurso nacional-popular, um tema tão caro às esquerdas nos anos 1960, em Calabar e Gota mereceu maior destaque, com o registro de que, nos 70, os autores dialogavam com outro momento histórico, pontuados pelos impasses da ditadura militar", explica Cláudia Regina.

No primeiro capítulo da tese, a pesquisadora analisa movimentos artísticos influentes do País, como os Grupos de Teatro Arena, Oficina e Opinião, a Bossa Nova e o Tropicalismo.

Calabar

No capítulo sobre o álbum "Calabar o Elogio da Traição", Cláudia Regina explica que "o tempo dos autores, a ditadura militar da década de 1970, revela o tipo de traição a qual a obra se referia".

"Para dialogar com os desdobramentos da ditadura, como a repressão e a tortura institucionalizadas após o AI 5, Chico Buarque e Ruy Guerra tematizam o Brasil colônia, deixando as perguntas: que tipo de ação implicava ser chamado de Calabar nessa década? Qual o significado de trair a Pátria? Seria opor-se ao regime, ou apoiá-lo, omitindo-se?", analisa a pesquisadora.

Até o título do disco, lançado em 1973, foi censurado. "Chico canta Calabar" foi lançado pela Gravadora Philips, apenas com o título "Chico Canta". A faixa "Vence na vida quem diz sim" foi vetada e a música foi lançada apenas em versão instrumental. A palavra "sifílis" da música "Fado Tropical" também foi censurada.

Chico Buarque admitiu em entrevista que a peça lança um paralelo entre dois personagens da História do Brasil: o senhor de engenho nordestino Domingos Calabar e o militar guerrilheiro Carlos Lamarca. Calabar teria se unido aos holandeses em invasões ao Brasil no século XVII e, por isso, é considerado por alguns historiadores, um dos grandes traidores da História do País. Já Lamarca foi um dos principais protagonistas da luta armada contra a Ditadura. Na época do lançamento do musical de Chico e Ruy, era o herói da esquerda e o traidor dos militares, o capitão que abandonou o Exército para ingressar na luta armada contra o Regime Militar.

Gota d'água

No terceiro capítulo de sua tese, Cláudia Regina analisa "Gota d´'água", álbum baseado em Medeia, clássico de Eurípides, considerado pelos gregos o 'mais trágico dos trágicos'. Chico Buarque e Paulo Pontes escreveram "Gota d'água" a partir do Caso Especial da Rede Globo, "Medeia: Uma tragédia brasileira", que o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho dirigiu em 1972.

Trata-se de uma adaptação da tragédia para o subúrbio carioca, encenada nos palcos pela primeira vez em 1975, com a cantora e atriz Bibi Ferreira como protagonista. "A adaptação deixa entrever no contexto os mecanismos de cooptação e corrupção, no nível social, de destinos individuais. No interior da comunidade periférica, está o amor sem limites de Joana por Jasão. Quando ele a abandona para se casar com Alma, ela vinga-se utlizando os próprios filhos", narra a autora, que considera que a sedução pelo dinheiro e as divisões sociais vão acirrar o drama.

O próprio título da peça não é apenas uma alusão ao amor excessivo de Joana, mas também às condições miseráveis dos habitantes da Vila do Meio-Dia, onde vivem os personagens.

Além da política, o espetáculo também expressa a brasilidade religiosa, relacionando divindades gregas a similares no candomblé, como Afrodite, a Deusa do Amor, associada à Oxumaré.

"Na junção de símbolos míticos gregos a entidades afro-brasileiras e católicas, denota-se o sincretismo religioso brasileiro, expressado no desespero de Joana, que recorre tanto à proteção quanto à maldição em relação aos seus inimigos", explica a pesquisadora.

Cláudia Regina dos Santos estudou ainda durante o doutorado as críticas e reportagens sobre 'Calabar' e 'Gota d'água', que revelam os acertos e controvérsias da arte engajada na década de 70.

"Através de Calabar e Gota d'água, analisamos o grau de liberdade que o campo teatral alcançou enquanto instrumento de resistência à ditadura militar no Brasil, nos anos 70. Mas, além da resistência, percebemos, o debate dos autores com os dilemas gerados pela modernização conservadora do Regime Militar e a retomada da palavra nos palcos, enunciando as premissas do projeto nacional-popular, obscurecido pela repressão do período", conclui a pesquisadora.

SERVIÇO: A íntegra da tese de doutorado "Dramaturgia engajada no Brasil: As produções 'Calabar: O Elogio da Traição' e 'Gota d'água'" está publicada na Biblioteca Virtual da Unesp: www.franca.unesp.br/Home/Pos-graduacao/correcao-tese-set-2013-impressao-agora.pdf

Topo

APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo - Praça da República, 282 - CEP: 01045-000 - São Paulo SP - Fone: (11) 3350-6000
© Copyright APEOESP 2002/2011