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Qui, 27 de Novembro 2025 - 16:01

Como algumas escolas mantêm preconceitos linguísticos contra alunos migrantes

Em pesquisa de mestrado, educadora analisa que considerar apenas uma língua como correta pode motivar o preconceito contra estudantes migrantes

Por: Isabela Nahas / Jornal da USP

 
Entre os anos de 2022 e 2023, a educadora Talita Zanatta, então professora de língua portuguesa de uma escola municipal de ensino fundamental em São Paulo, deu início a uma coleta de dados para seu estudo de mestrado na Faculdade de Educação (FE) da USP. Na escola, localizada na zona norte da cidade, havia alunos de origem boliviana e, como parte de sua pesquisa, Talita empreendeu esforços na tentativa de reduzir o preconceito linguístico contra esses estudantes.
 
Durante o estudo de mestrado intitulado Otra Mirada Educativa: uma autoetnografia sobre linguagem, raça e migração, realizado na área de Educação, Linguagem e Psicologia da FE, Talita se deu conta de que as crianças migrantes da Bolívia misturavam o espanhol com o português, ao mesmo tempo em que entendiam a norma culta da língua brasileira.
 
Naquela escola, a maior parte dos estudantes migrantes era descendente de bolivianos. Talita relata que havia casos de preconceito entre alunos, com violências verbais e físicas contra migrantes, as quais os professores não conseguiam impedir. A pesquisadora percebeu então que a maneira como conduziu as atividades foi, na verdade, mais uma forma de propagar estereótipos xenofóbicos e racistas.
 
Abrindo espaços para o espanhol
Talita começou a considerar que, talvez, um dos problemas estivesse na forma como a escola lidava com diferentes idiomas. Por isso, criou o projeto Cultura, Histórias e Ação para abrir espaço para os migrantes falarem espanhol. Durante um ano, 17 estudantes participaram de atividades de escrita criativa em que podiam se expressar com a língua que quisessem. Mas a proposta não aconteceu como a professora imaginava.
 
Os estudantes do projeto tinham cerca de 10 a 12 anos. Deles, 12 vinham de famílias bolivianas. Destes, apenas cinco nasceram na Bolívia. Quando perguntados sobre quais idiomas conheciam, os participantes trouxeram diversas respostas. Além do português e do espanhol, apareceram também falantes de línguas indígenas, como o quéchua, e do inglês, aprendido através da cultura musical e on-line.
 
Uma das violências presenciadas pela educadora partiu de um dos participantes do projeto Cultura, Histórias e Ação, o Yago*. "Não gosto do Juan*, ele é boliviano. Eu odeio todos os bolivianos, eles invadiram nosso país. Se eu fosse presidente, eu fazia ir embora todo mundo. Eu mataria todos os bolivianos, atiraria na cara deles", disse o estudante sobre um dos migrantes, Juan. Yago foi expulso do projeto.
 
Juan nasceu no Brasil e tem pais nascidos na Bolívia. Sua autodeclaração racial é pardo. Durante as atividades, ele foi um dos estudantes que usaram a translinguagem, que define que pessoas que sabem mais de uma língua, os multilíngues, mesclam os idiomas. Essa definição considera que não existe uso certo ou errado da linguagem, mas sim diferentes formas de se adaptar ao espaço e ao contexto em que o falante está. Um exemplo é a receita que o jovem escreveu durante uma atividade culinária sobre as origens de cada um.
 
Talita explica que esse texto é um dos indicadores de que o estudante sabe as duas línguas. Isso porque ele usa, por exemplo, tanto papas quanto batatas para se referir ao ingrediente. Antes da atividade, a professora achava que Juan era quieto durante as aulas por não saber português. Depois, percebeu que essa ideia vinha de um estereótipo da própria pesquisadora.
 
Quem fala errado?
"A princípio, eu acho que não me dava conta de que os migrantes que eu via pelos bairros de São Paulo têm filhos e que os filhos estudam nas escolas. E eu entendia que era uma surpresa e uma dificuldade compartilhada entre os professores. Esse estranhamento gerava um senso comum de que a língua era um problema", descreve a pesquisadora.
 
A professora diz que se equivocou ao escolher um método e uma visão monolinguistas para aplicar as atividades. "Durante a pesquisa, me dei conta de que ainda tinha uma visão separada das línguas. Pensava que eles precisavam aprender português e eu valorizar o espanhol, mas que essas duas línguas existiam de maneiras separadas", explica Talita. A base monolinguista do projeto foi quebrada pelas próprias crianças, quando misturavam idiomas.
 
Talita afirma que, para se desvincular da ideia de que havia um único jeito certo de usar a língua, precisou analisar a influência do preconceito contra migrantes bolivianos na escola. A professora concluiu que o ensino monolinguista é atravessado pela xenofobia e, de maneira mais velada, pelo racismo.
 
"As línguas que vão ser apagadas são as indígenas, as africanas... E mesmo nesse contexto de migração, não são todos os migrantes que têm sua língua negada. São principalmente as dos migrantes racializados."
Talita Zanatta, professora e educadora
 
Não há solução?
A escola em que Talita dava aulas via estudantes migrantes como parte de um grupo indistinto. Para as crianças, eram todos "Boliva". Para os professores, todos falavam um português ruim, se é que sabiam a língua. De acordo com Talita, essa visão não está ligada apenas com a xenofobia, já que vem também de ideias negativas ligadas aos fenótipos indígenas dos migrantes. Neste ponto de vista, há racismo.
 
"Não tem um caminho fácil para o combate real da xenofobia e do racismo. Acho que contra migrantes negros, já está mais pré-entendido que há racismo nessa relação e que é preciso combater. Mas na relação contra bolivianos, com fenótipo indígena, nem sempre aparece a questão do racismo para além da xenofobia", descreve Talita.
 
Agora, a professora se sente mais pronta para aprender e ensinar, mas diz que não existe uma resposta exata para as dificuldades da educação. "A pesquisa ajuda a dar ferramentas para se investigar, abrir o ouvido, escutar e sensibilizar. Eu iniciei o mestrado com um monte de resposta pronta, não estava pronta para a translinguagem no início da pesquisa. Mas acho que agora estou, para escutá-la", completa a educadora.
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