Seg, 27 de Outubro 2025 - 18:08
Estudo destaca o papel do Estado na precarização da vida urbana do extremo da zona leste de São Paulo
Para boa parte dos paulistanos, as periferias deveriam receber mais investimentos públicos. Contudo, um estudo de mestrado da USP mostra que a consolidação das periferias resulta de uma "ausência pensada" do Estado
Por: Jornal da USP*
Uma pesquisa de mestrado apresentada na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra como o governo pode atuar na precarização da vida urbana. O estudo intitulado Assalto à mão letrada: o papel do planejamento urbano na produção e reprodução da periferia no extremo leste da cidade de São Paulo, demonstra como a consolidação das periferias resulta de uma "ausência pensada" do Estado, que fez disso uma escolha de planejamento urbano para a região. O estudo contradiz uma pesquisa do Datafolha, de 2016, que apontou que 70% dos paulistanos acreditavam que as periferias deveriam receber mais investimentos públicos, indicando possível omissão governamental nessas áreas.
Segundo Jhonny Bezerra Torres, autor da pesquisa, a exclusão socioespacial de bairros na zona leste ocorre, principalmente, por meio da articulação entre transporte de massa e investimentos em habitação de interesse social em locais distantes da cidade formal, como é o caso dos conjuntos habitacionais criados em Itaquera. Um exemplo foi a criação do Expresso Leste, conhecido como Linha 11-Coral da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a construção de moradias sociais na região pela Companhia de Habitação Popular (Cohab). "A integração entre moradia e transporte distante do centro, longe de solucionar a questão habitacional na cidade, aprofundou a segregação socioespacial ao reforçar a lógica de marginalização da população mais pobre em áreas distantes do centro da cidade e, assim, de equipamentos urbanos", ressalta o pesquisador.
Parada XV de Novembro
Com a criação do Expresso Leste, houve a desativação da estação Parada XV de Novembro, inaugurada em 1926, que impulsionou o desenvolvimento populacional e comercial da região. A extinção da parada se deu em virtude da construção de um trecho da Avenida Radial Leste, em 2000, para criar uma via expressa entre o extremo leste e o centro da cidade de São Paulo, privilegiando a integração de grandes conjuntos habitacionais.
O término das operações fez com que a população residente nessa região fosse obrigada a se deslocar de ônibus até as estações José Bonifácio ou Itaquera, aumentando tanto o tempo quanto o custo do trajeto. "O metrô e o trem demonstram, a partir da mobilidade, para quem e para o que é produzido o espaço urbano na cidade. A ideia é de uma cidade funcional, no sentido de levar a população pobre da periferia para o centro com o intuito de trabalhar. O metrô é feito nos lugares onde as pessoas só chegam para trabalhar e não para viver culturalmente", destaca Jhonny.
Dessa forma, o pesquisador argumenta que o planejamento do Estado contribui para a segregação socioespacial e a precarização da vida urbana da zona leste. Esse mecanismo, conforme afirma o pesquisador, é realizado de maneira deliberada pelo governo, que "é percebido não como mediador, mas como aquele que, ao invés de garantir direitos, se apresenta como um usurpador", declara Jhonny.
Ainda que ocorra essa "ausência planejada", a dissertação esclarece que os moradores do bairro da Parada XV de Novembro se organizaram para lutar pela reativação da estação e contra a precarização que a desativação causou em suas vidas. "Mais do que uma reivindicação por infraestrutura, trata-se da afirmação de que a cidade não pode ser reduzida a um conjunto de variáveis demográficas ou tabelas estatísticas", conclui o pesquisador.
* Com texto de Gabriela César, do Serviço de Comunicação Social da FFLCH, com edição de Marcos Santos