Seg, 15 de Setembro 2025 - 15:32
Modelo de escolas cívico-militares promove elitização dos colégios para inflar índices de desempenho
Pesquisa argumenta que modelo estadual de educação do Paraná seleciona escolas com melhor rendimento e amplia desigualdades educacionais
Por: Rafael Dourador - Portal FFLCH/USP - Divulgação Científica
O desempenho das escolas do modelo cívico-militar do Paraná em indicadores como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) não está relacionado à presença de militares na gestão escolar. Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP identificou que o Programa de Colégios Cívico-Militares do Paraná (CCMPR) seleciona instituições que já apresentavam números positivos, além de um processo de restrição na oferta de matrículas que "preparou o terreno" para uma elitização da rede de ensino básico.
A iniciativa do estado sulista governado por Ratinho Jr tem como base o decreto federal nº 10.004, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim), em setembro de 2019. O documento previa o "emprego de oficiais e praças das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares, para atuarem nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa", além da aplicação de recursos para a implementação do programa.
Em sua dissertação de mestrado, Rafaela Miyake concluiu que o CCMPR exclui as pessoas mais pobres das instituições de ensino e tenta vincular o bom desempenho em avaliações à adesão do novo modelo. "O perfil é de uma escola com poucos alunos, sem período noturno, sem EJA (Educação de Jovens e Adultos) e com um perfil socioeconômico que vai aumentando ao longo do tempo".
De acordo com o estudo, o número de vagas EJA disponíveis nessas escolas entre 2018 e 2023 caiu de 8.077 para 731. Também houve queda no número de vagas no período noturno neste mesmo intervalo: de 24,8 mil passaram a ser 2,9 mil. Por outro lado, mais de 14 mil vagas surgiram no período diurno.
Para a pesquisadora, essa mudança no quadro de alunos tem um propósito: aumentar os números do Ideb para argumentar que o modelo cívico-militar apresenta bons resultados. "Quando você fecha o noturno e o EJA, você aumenta o Ideb. Porque são esses alunos que trabalham, reprovam, não vão para a escola, etc. Então, realmente quando você fecha isso, você sobe o Ideb", explica.
A infraestrutura das escolas do programa também é destacada na dissertação por estar "dentro de um campo de exceção" em relação às outras instituições da rede pública. O estudo mostra que há maior disponibilidade de equipamentos nos colégios do CCMPR, como quadras cobertas, laboratórios de informática e ciências e bibliotecas. "Esses equipamentos fazem parte do Custo Aluno-Qualidade Inicial e são fundamentais para a dinâmica de ensino e aprendizagem na escola", completa.
Programa cívico-militar reforça neoliberalismo no Brasil
Outro apontamento feito por Rafaela é de que nenhum estudo científico comprova a ligação direta entre militarização e o aumento no Ideb. Por esse motivo, ela critica declarações de que a adesão ao modelo representa uma melhora na educação e vincula a proposta a ideais neoliberais.
Ela conta que o avanço do neoliberalismo na América Latina impõe uma série de restrições e de reformas. Entre elas, estaria a adesão à dinâmica corporativa das empresas privadas à educação pública, que introduz a ideia de "gestão de excelência" para promover os programas estaduais de educação.
"Existem várias formas de atuação do neoliberalismo na educação. Minha dissertação é um diagnóstico para mostrar o quão infundadas são as políticas neoliberais para o Brasil. Pode ser que deu certo lá na Europa, mas aqui são políticas impraticáveis com a realidade territorial que vive o nosso país", termina.
Apesar da revogação do programa nacional em 2023, os estados brasileiros aderiram ao modelo de ensino em suas próprias agendas. Para Rafaela, o decreto de 2019 deveria ter sido interpretado como inconstitucional. "A partir do momento que não proibiu, Lula abriu espaço para os estados e municípios que já tinham escolas cívico-militares, principalmente do programa nacional, incorporarem essas escolas em programas próprios. Como aconteceu no Paraná, por exemplo."